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Nascimento, era ministro do Ensino Superior; a irmã de Ana Paula Santos era subdirectora do Banco Nacional de Angola e o seu marido foi ministro das Finanças; outro irmão de Ana Paula, Joaquim Silvestre António, era secretário de Estado da Habitação; o primo Leonídio Ceita era presidente da Empresa Pública de Águas de Angola; outro primo presidia à Empresa Nacional de Exploração e Aeroportos e Navegação Aérea; outro ainda era presidente do Banco de Comércio e Indústria e outro ainda, enfim, era director-geral do Instituto de Estatística.
Nem vale a pena descrever os negócios de Isabel, tantos e tão complexos eles são, a ponto de a própria, em entrevista ao Observador, de 20/12/2019, ter sido incapaz de dizerquantasempresastinhaouquanto facturavam aproximadamente. Começou nos walkie-talkies da Urbana 2000, a empresa encarregada de limpar a sempiterna imundície da capital angolana, passou para os telemóveis (depois de um concurso sem efeito, a licença de operação foi atribuída a uma empresa de Isabel, de ManuelVicente, o vice-presidente, e dos generais ManuelVieira Dias, Kopelipa, e Leopoldino Fragoso do Nascimento, Dino), a par da restauração de luxo (o Ooon.dah, em Luanda, com ementa gourmet e chef vindo das Ilhas Maurícias), dos petróleos e energia, dos diamantes e da joalharia, da banca e da finança, da distribuição, do imobiliário, da imprensa, etc.
Naquela entrevista ao Observador, um diálogo delicioso:“Foi nomeada para a Sonangol pelo pai?” “Não, fui nomeada pelo Governo.” “OGoverno era presidido pelo pai?” “Não, o Governo era presidido pelo Presidente”. Noutra ocasião, nova frase antológica: “É sempre importante ter bons valores e ética no negócio.”
Isabel dos Santos é contemporânea e cúmplice do tempo em que, às mesas da Cervejaria Ramiro, em Lisboa, os todo-poderosos angolanos acompanhavam lagosta com tinto BarcaVelha, o que era só um entre muitos gestos de homenagem ou submissão cultural à antiga potência colonizadora, patente na aquisição de quintas no Douro e de herdades no Alentejo, no serviço “CozinhaVelha”, daVista Alegre, usado no faustoso casamento de Isabel com Sindika Dokolo, ou na fidelidade clubística ao Benfica, Sporting e Porto, do qual José Eduardo era um adepto ferrenho e até “Dragão de Ouro”. Por cá, não foram poucos os que, por aperto financeiro ou ganância pura, ou ambas as coisas, trilharam caminhos parecidos com os da joalheira Grisogono, e, claro, acabaram envolvidos em sarilhadas judiciais infindáveis ou viram as suas empresas quase destruídas no turbilhão angolano.
Muita gente, da mais rica e da mais esclarecida, permaneceu insensível aos avisos que a História e o dr. Louçã fizeram, tomou Ana Gomes por“louca”, julgando que com eles não, com eles seria diferente, pois, até com laivos de racismo, sentiam-se mais espertos e astutos do que os generais angolanos, que pensaram ser capazes de domar e iniciar nos mistérios da economia de mercado. Apertado pela troika,o país, como sempre, buscou uma escapatória externa, não já nos oiros doBrasil,nasremessasdaemigração ou nos fundos de Bruxelas, mas nas “parcerias estratégicas” e nos negócios com as elites de um regime despótico, a quem foram vendidas casas e propriedades, participações e goldenshares em grandes empresas, do mesmo passo que o poder político tudo fazia para aplacar os“irritantes” nascidos do natural labor investigativodaspolíciasedostribunais,easervilacademialhesconcedia os seus mais altos títulos e graus, em cerimónias doutorais de opereta que muito contribuíram para o desprestígio das nossas universidades (para não falarmos, claro, de coisas como a medalha municipal de mérito, grau ouro, atribuída pela Câmara do Porto a Sindika Dokolo).
Impensadamente, julgou-se que era possível estabelecer um cordon sanitaire ético e moral entre o dinheiro dos angolanos e a sua origem sangrenta e corrupta, e os mais entusiastas até fizeram crer que, do ponto de vista do negócio e da racionalidade económica, nenhuma diferença havia entre a Autoeuropa e a Sonangol, como se, mesmo numa perspectiva puramente pragmática e empresarial, a solidez, a estabilidade e a perenidade de uma companhia não estivessem sujeitas à peculiar natureza dos seus sócios, à proveniência do seu dinheiro, ao contexto democrático ou autocrático em que se moviam, à tradição cultural de respeito, ou não, pelo Estado de Direito e pelos Direitos Humanos.
Quem se deu mal em negociar com Angola – e foram muitos – só pode queixar-se de si próprio e da sua avidez, lição que, como é óbvio, não foi aprendida: mal saíram os angolanos, entraram em cena os chineses, tomando posições-chave em sectores estratégicos soberanos, dos quais será difícil tirá-los.
Em entrevista recente, Isabel diz-se “particularmente orgulhosa” por ter ajudado a “construir uma ponte entre a ex-colónia e a antiga potência colonial, uma ponte de interesses comuns onde o relacionamento de trabalho era mais equilibrado e justo.” Acrescenta, com saudade, que, “antigamente, as relações entre Angola e Portugal eram mais fortes”, ao passo que agora, afirma, Lisboa limita-se a “aceitar todos os pedidos apresentados por Angola contra [si] e a executá-los sem questionar, o que é estranho.” (Expresso, de 15/2/2024). Como diria o outro, é a vida.