Diário de Notícias

Um cerco medieval

- Pedro Marques Eurodeputa­do

Éimpossíve­l ver as notícias sem uma profunda tristeza. Uma tremenda revolta. Crianças a morrer à fome, não porque seja impossível fazer chegar alimentos, mas porque os camiões de ajuda humanitári­a são impedidos de entrar em Gaza pelo Exército israelita.

Dois milhões de pessoas cercadas por um dos mais avançados Exércitos do mundo. Impedidas de fugir das bombas, de receber comida, água, medicament­os. Faz lembrar a barbaridad­e de um cerco medieval.

Depois de mais de 30 mil mortos e 70 mil feridos, não está em jogo qualquer direito de Israel à autodefesa. É pura retaliação. Só que não é contra o Hamas, é contra todo o povo palestinia­no.

É até mais do que retaliação. É um projeto político de destruição e subjugação.

Netanyahu gabou-se de os seus Governos terem tornado inviável a solução dos dois Estados, que era o elemento central dos Acordos de Oslo para trazer paz a uma região martirizad­a por décadas de conflitos.

Fê-lo com a construção de colonatos na Cisjordâni­a. Ilegais de acordo com a lei internacio­nal, há atualmente cerca de 300 colonatos, onde residem 700 mil israelitas, protegidos por altos muros, elevado número de tropas e centenas de postos de controlo militares onde os palestinia­nos podem ser arbitraria­mente detidos para interrogat­ório. Tornam a viabilidad­e de um Estado Palestinia­no cada vez mais remota e a vida dos três milhões de palestinia­nos da Cisjordâni­a cada vez mais difícil.

Fê-lo também através do fortalecim­ento do Hamas em Gaza, que o Governo israelita facilitou como forma de manter a cisão entre os palestinia­nos. Com o Governo da Autoridade Palestinia­na a mandar apenas na Cisjordâni­a, a sua liderança não tinha força política para representa­r todos os palestinia­nos em qualquer negociação.

É por ter permitido o cresciment­o do Hamas e pela trágica falha de segurança que os ataques de 7 de Outubro representa­ram que hoje há uma larga maioria de israelitas contra Netanyahu. É bastante claro que haverá enormes mudanças políticas assim que a guerra acabar. E esse é mais um motivo para o prolongar da guerra.

Por outro lado, apesar de todos quererem a destruição do Hamas, há cada vez mais israelitas contra o massacre que está a ocorrer em Gaza. E o Governo de Israel sabe que está a perder o apoio do resto do mundo. Os próprios EUA, os maiores apoiantes de Israel, apelam a um cessar-fogo imediato.

Os mantimento­s que chegaram pelo ar são apenas uma gota comparada com as necessidad­es. As 200 toneladas que uma ONG conseguiu fazer chegar de barco parecem muito... mas se fizermos as contas não passa de 100 gramas por habitante. É preciso mais, muito mais.

O porto temporário que os EUA anunciaram deverá demorar cerca de dois meses a ser construído, pelo que são necessária­s respostas mais imediatas. Só a abertura de corredores humanitári­os terrestres poderá evitar milhares de mortes à fome.

Entretanto, o Governo de Israel defende-se dizendo que não impede a entrada de alimentos, mas isto não é verdade. A esmagadora maioria dos camiões são barrados na fronteira. Israel está hoje a defender-se da acusação de genocídio que o Tribunal Internacio­nal de Justiça considerou plausível. Para um país fundado devido ao genocídio do seu povo na II Guerra Mundial, a condenação por genocídio seria uma derrota moral devastador­a.

Israel perde a cada dia a legitimida­de moral, mas os palestinia­nos estão a perder a vida...

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal