Albuquerque sem linhas vermelhas face ao Chega para não passar o testemunho a Cafôfo
CONTRADIÇÃO Em agosto de 2023, em vésperas das eleições na Madeira, o líder do PSD local afastou qualquer entendimento com o Chega, justificando que seria “fazer acordos com os crocodilos na esperança de ser comidos em último lugar”.
Miguel Albuquerque garantiu ontem, perante a decisão do Presidente da República de dissolver a Assembleia Legislativa da Madeira e antecipar eleições para dia 26 de maio, ter condições para continuar como chefe de Governo do arquipélago, ainda que também não tenha medo de enfrentar o sufrágio. Mais tarde, no mesmo dia, em entrevista à RTP Madeira, afirmou que “não há linhas vermelhas” no que diz respeito a entendimentos para formar um novo Executivo, desde que os entendimentos aconteçam com “partidos que estejam aceites no sistema constitucional”.
“Nós temos de falar com os partidos todos”, disse, questionando de forma retórica: “Esta história de estigmatizar alguns partidos, a que é que leva? Leva ao crescimento dos mesmos. O que o PS fez com o Chega levou a que o criador fosse devorado pela criatura.”
Com esta afirmação, o ainda presidente do Governo Regional contradisse, com parcimónia, as suas declarações de agosto de 2023, ainda antes das eleições regionais, quando garantiu que não haveria “qualquer possibilidade de acordo” com o Chega. Na altura, acrescentou que isso seria proporcional a “fazer acordos com os crocodilos na esperança de ser comidos em último lugar”.
Mas agora há muitos mais fatores em jogo que Albuquerque terá de contemplar, ainda que o “crocodilo” do ano passado tenha crescido consideravelmente em termos nacionais.
“O PSD vai sozinho à eleição e sou o cabeça de lista, assumo as minhas responsabilidades. Sou líder do partido, sou cabeça de lista. Eu vou ganhar. Estou convicto”, também garantiu Miguel Albuquerque, depois de ser conhecida a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa em convocar eleições regionais para a Madeira.
No entanto, apesar da segurança demonstrada perante a decisão, Albuquerque também mostrou preocupação com o adiamento da aprovação do Orçamento da região, provocado pela nova eleição. “Não é bom para a economia da região, nem para a confiança, nem para benefício da população”, declarou.
Mas a vontade de ir a eleições, com as consequências que pode ter, não é consensual entre os parceiros de Albuquerque, principalmente para o CDS.
O líder dos centristas na Madeira, Rui Barreto, mostrou-se preocupado com a instabilidade regional. “É uma decisão que acaba por ser expectável, embora não desejável, porque sempre considerei e sempre defendi que a estabilidade é um valor muito importante da vida política porque isso impacta positivamente na vida dos cidadãos”, defendeu Rui Barreto, antes de considerar que “a maioria que esta coligação obteve na Madeira há seis meses é uma maioria mais robusta do que aquela que obteve Luís Montenegro” nas legislativas de 10 de março.
Por parte do PAN, o partido que aceitou um acordo de incidência parlamentar com Albuquerque para garantir que centristas e sociais-democratas teriam as condições para governar, a deputada única do partido na Madeira, Mónica Freitas, continuou a apostar na ideia de estabilidade e disse que a decisão de Marcelo passa por “realmente dar voz à população” e formar um executivo “legitimado através do voto”.
À margem de todas as inquietações que possam surgir da decisão de Marcelo, toda a oposição de Albuquerque ficou satisfeita com a realização de novas eleições, ainda que a satisfação do PS e do Chega ultrapassasse as dos outros partidos, pela forma como podem chegar ao Executivo regional, por via de entendimentos ou simplesmente com a capacidade de constituir governo.
O líder do PS/Madeira, o principal opositor de Albuquerque, Paulo Cafôfo, disse ter saído satisfeito da reunião com Marcelo em Belém, pela decisão tomada, até porque é o partido que parte para as eleições mais próximo da coligação entre PSD e CDS em termos de mandatos (11 deputados socialistas, contra os 23 sociais-democratas e centristas, mais uma do PAN). Aliás, foi Cafôfo que o confirmou em primeira mão.
A repetir-se na Madeira o que aconteceu nas legislativas nacionais, o Chega é que pode capitalizar mais e determinar a estabilidade do próximo Executivo.
“Em democracia é assim mesmo, temos que dar a voz ao povo”, afirmou logo o líder do Chega/Madeira, Miguel Castro.
Com as eleições regionais convocadas para 26 de maio, os madeirenses e porto-santenses vão ter de aguentar duas semanas seguidas de campanha, uma vez que, logo depois de escolhido o Governo Regional, a Europa vai decidir a composição do Parlamento Europeu, com o sufrágio a realizar-se entre os dias 6 e 9 de junho.
“O que o PS fez com o Chega levou a que o criador fosse devorado pela criatura”, afirma Miguel Albuquerque. “Estamos de acordo e em sintonia com o senhor Presidente da República, seja nas razões, seja nas decisões”, diz Paulo Cafôfo.