As Brigadas Revolucionárias contadas na primeira pessoa
Militante anti-fascista desde a adolescência, Carlos Antunes tornou-se um nome conhecido durante o PREC, como líder das Brigadas Revolucionárias. As suas memórias estão agora em livro, fixadas pela jornalista Isabel Lindim.
Para quem, como a autora deste texto, cresceu a ver, escrita sobre as paredes de Lisboa, a frase “Liberdade para Isabel do Carmo e Carlos Antunes”, este livro, Memórias de um Revolucionário (ed. Oficina do Livro) é um pouco o esclarecimento a muitas perguntas feitas nessa época. Mas é muito mais do que isso. Nele, a jornalista Isabel Lindim, filha de Isabel do Carmo e enteada de Carlos Antunes, dá voz a este último, que, para quem não saiba, foi um militante antifascista desde tenra idade, primeiro no Partido Comunista e, depois, como fundador das Brigadas Revolucionárias. O resultado é um documento precioso sobre um tempo particularmente rico da vida portuguesa, contado com uma vivacidade que não exclui sequer o sentido de humor.
Como conta Isabel Lindim na introdução, esta obra resulta de duas longas entrevistas feitas a Carlos Antunes, uma gravada por ela própria e Anzé Persin e a outra pela cineasta Margarida Gil. Após a morte de Carlos, em 2021, considerou-se que importava prosseguir o objetivo de dar forma de livro a estas memórias, cheias de peripécias, mas também imbuídas de uma consciência social e política, que começou bem cedo, na Aldeia de São Pedro, Concelho de Vieira do Minho, onde o protagonista nasceu, em 1938.
Filho de pais com algumas posses, o pequeno Carlos cedo reparou que nem todos tinham a mesma sorte, o que, como se nota logo no princípio do livro, o terá impressionado: “(…) Havia uma vizinha minha que era uma mulher solteira, vivia sozinha num casebre e todos os dias acendia a lareira para fazer comida ao fim da tarde, mas não tinha dinheiro para comprar uma caixa de fósforos e então saía à porta de casa, via qual era a casa que estivesse mais perto dela com a chaminé a deitar fumo e ia lá com meia telha pedir umas brasas para fazer o seu próprio fogo (…).” E conclui a propósito: “A sensação que eu tinha é que as pessoas estavam completamente amorfas e dominadas, a miséria era tanta que ninguém tinha capacidade sequer para compreender por que é que ela existia tão violentamente.”
Esta consciência levá-lo-á, menino e moço, à militância no Partido Comunista e, naturalmente, à clandestinidade. O que conta com um sentido de humor e finura, que raramente encontramos neste tipo de relatos. É quando o partido decide que estava na altura de Carlos ir para a Roménia, para a Rádio Portugal Livre, que este faz uma descoberta desconcertante: “(…) Descobri que no estrangeiro Cunhal usava a minha identidade. Funcionava como se fosse eu. E, na minha opinião, eles levam-me para a Roménia, por um lado, porque tinham necessidade de quadros na Roménia, por outro para eu não poder ser tocado, quer dizer, em nenhumas condições eu podia ser preso. Para o Cunhal poder andar com a minha identidade, em segurança.”
O resultado é uma espécie de heteronímia malgré lui: “Quando cheguei à Roménia, usava o pseudónimo de Sérgio Gomes. O Cunhal é que se chamava Carlos Antunes nessa altura. A minha ex-mulher chamava-me Carlos, mas há pessoas que foram minhas mulheres que não me chamam Carlos. A Isabel chama-me sempre Sérgio, e há outras pessoas da família que não me chamam Carlos.”
Mas, em 1970, considerando-se antiestalinista, rompeu com o PCP, em boa parte como protesto pela invasão soviética da Checoslováquia. Foi então que formou as Brigadas Revolucionárias, responsáveis por várias ações diretas contra estruturas do regime. Como as militares: “Nós achávamos que a Guerra Colonial era um fator de rutura com o regime. Portanto provocar a destruição de meios e de material, impedir o Exército de se organizar para fazer a guerra era não só um dever de solidariedade com os povos das colónias, mas também um ato imediatamente percebido pelos soldados e pela população.”
Apesar de muito procurado pela PIDE, Carlos Antunes conseguiu evitar a prisão. O que não aconteceu após o 25 de Abril, quando foi acusado de autoria moral de assaltos a bancos e da decapitação de uma estátua de Salazar, em Santa Comba Dão. Em 1978 foi preso no decorrer de uma operação policial, vindo a ser julgado e condenado em 1979. Mas este julgamento seria anulado e repetido em 1982, altura em que foi absolvido. Estaria depois na linha da frente do movimento que se bateu pela libertação de Otelo Saraiva de Carvalho, entretanto condenado no âmbito do processo das FP-25.
O que tornou Carlos Antunes este combatente incansável? Nas suas próprias palavras, são opções nem sempre explicáveis: “Têm que ver com os sentimentos, têm que ver com a nossa própria infância, têm que ver com os nossos pais, com os nossos amigos, com aquilo que se aprendeu ao longo da idade, sobretudo na adolescência e depois, a dada altura, estamos a tomar opções que nos aparecem como sendo as únicas possíveis, sem termos muita consciência dos perigos que estamos a correr.”