Uma Carmen para lembrar Teresa de Berganza
Senhora de uma carreira de excelência ao longo de mais de meio século, Teresa de Berganza não escondia a sua preferência por Carmen. É com um espetáculo concebido em torno dessa ópera de Bizet que Cascais homenageia a cantora.
Herbert von Karajan, que não era dado a elogios fáceis, chamou-lhe A Grande Carmen do século XX. O que não é dizer pouco se pensarmos que este papel também foi interpretado por Maria Callas ou Angela Gheorghiu. Falamos da mezzo-soprano espanhola Teresa Berganza (1933-2022), que será homenageada na próxima 5ª feira, 11, no Casino Estoril, na Gala de ópera Carmen para Berganza, no âmbito da 1.ª edição do Cascais Ópera – Concurso Internacional de Canto, que está a decorrer até ao próximo domingo. A mais espanhola das óperas do repertório clássico (apesar de composta pelo francês Georges Bizet) será evocada num recital interpretado por Cátia Morezo (Carmen), Luís Gomes (Don José), Sergei Leiferkus (Escamillo) e Carla Caramujo (Micaela), acompanhados pela Orquestra Sinfónica de Cascais, dirigida pelo Maestro Nikolay Lalov, e pelo Coro participativo Cascais Ópera a cargo do Maestro Francisco Pinheiro.
O porquê da escolha de Carmen para fazer esta homenagem foi explicada ao DN, em outubro último, pelo diretor artístico do Cascais Ópera, o pianista Adriano Jordão: “A Teresa de Berganza foi A Grande Carmen e chegou a escrever uma carta, a que tive acesso, em que explicava o que pensava sobre a personagem, irritando-se muito com o facto de ela ser tratada quase como uma prostituta. Ela achava que a Carmen é uma mulher libertada. A minha ideia é pegar nesse conceito e desvulgarizar a Carmen.”
Uma ideia que é corroborada pela própria filha de Teresa, a também cantora Cecilia Lavilla Berganza, que nos diz que, para a mãe, “a Carmen era uma experiência de vida e luz”. “Embora também tivesse sido inesquecível noutros papéis muito importantes (a Rosina de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini por exemplo) ela considerava que a ópera de Bizet era uma expressão de emancipação feminina, que lhe inspirou muita coragem e determinação na sua própria vida.”
Nascida em Madrid, em 1933, Teresa de Berganza teve uma carreira excecionalmente longa (58 anos), durante os quais ganhou várias distinções, como o Prémio Príncipe das Astúrias para as Artes e o Prémio Nacional de Música. Foi a primeira mulher a tornar-se membro da Academia Real das Artes, no seu país. A sua primeira apresentação pública aconteceu em 1955, no Ateneo de Madrid, mas o seu primeiro grande sucesso ocorreria dois anos depois no Festival de Aix-en-Provence (França), na ópera Cosi fan tutte, de Mozart.
Carmen para a História
A partir da década de 1970, a sua carreira seria marcada pela Carmen, ficando para a História a versão, por si interpretada, e dirigida pelo maestro italiano Claudio Abbado, no Festival de Edimburgo. A seu lado estavam, nada mais, nada menos, que Placido Domingo e Ileana Cotrubas.
Outros momentos especiais na carreira artística de Berganza seriam as apresentações na cerimónia de abertura da Exposição Universal de Sevilha e nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992.
A mezzo-soprano apresentou-se dezenas de vezes em palcos portugueses, quer no âmbito das temporadas de música da Fundação Calouste Gulbenkian, quer em festivais e encontros de música, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, como o antigo Festival dos Capuchos,o Festival de Música da Costa do Estoril ou os Encontros de Música da Casa de Mateus, onde foi uma presença regular, até ao início dos anos 2000. Isto sem esquecer as várias passagens pelo Teatro Nacional de São Carlos, como aconteceu em 1988, num recital com a participação do barítono português Jorge Chaminé, e num programa dedicado ao compositor espanhol Manuel de Falla, em 1996.
A partir do final de 1999, substituiu o tenor Alfredo Kraus, seu compatriota, que tinha morrido em setembro, à frente da Cátedra de Canto da Escola de Música Rainha Sofia. Só em 2008, já com 75 anos cumpridos, é que renunciaria definitivamente aos palcos.
Ao DN, a filha, Cecilia, recorda Teresa como “uma mãe muito carinhosa e presente, mesmo que condicionada pelas constantes viagens a que a sua carreira a obrigava”. E acrescenta: “Era uma mulher muito normal, não era uma diva.”
A essa mãe e ao pai, o pianista, Félix Lavilla, deve Cecília “o privilégio de ter tido uma casa cheia de música”. Dedicada ao canto lírico também ela, há muito que superou o medo das comparações. “Aprendi a dizer: os meus pais eram os meus pais, eu sou eu própria e traço o meu próprio caminho. Mas devo-lhes muito.”
Ao DN, a filha, Cecilia, recorda Teresa como “uma mãe muito carinhosa e presente, mesmo que condicionada pelas constantes viagens a que a sua carreira a obrigava”. E acrescenta: “Era uma mulher muito normal, não era uma diva.”