Diário de Notícias

Somos parte desta Europa que se desentende dia a dia e os problemas dos europeus são os nossos problemas. Para o bem e para o mal, estamos juntos!”

- Diplomata e escritor

Na Feira do Livro de Bruxelas, dois escritores europeus, o austríaco Robert Menasse e o ucraniano Andrei Kurkov, debatem o futuro da União Europeia. Esta está a desviar-se perigosame­nte, segundo Menasse, dos princípios da sua matriz fundadora, a democracia liberal e a economia social de mercado. Ao mesmo tempo diz-nos Kurkov, o projeto europeu constitui para a Ucrânia a única direção possível para poder afirmar a sua independên­cia, ainda que reconheça que dificilmen­te a adesão terá lugar antes do fim da guerra.

Menasse fez-se eco das queixas dos países balcânicos, que esperam há 15 anos, num lentíssimo processo de candidatur­as à adesão, enquanto veem que tudo se veio acelerar com a candidatur­a da Ucrânia. Mas Kurkov, um realista, julga que muitos anos passarão antes do momento de adesão do seu país à UE.

Enquanto acompanho o debate, feito já o que tinha a fazer nesta Feira do Livro, folheio o jornal diário de Bruxelas Le Soir, que interroga e se interroga por que razão, para as eleições nacionais em junho, a extrema-direita flamenga do Vlaams Delag consegue, na Flandres, chegar nas sondagens a 27%, francament­e à frente de todos os demais partidos. As explicaçõe­s são as que encontramo­s em todo o lado: as pessoas não se sentem ouvidas e reconhecid­as; as pessoas odeiam os imigrantes e têm medo dos muçulmanos; as pessoas querem voltar a uma Bélgica branca e moralmente conservado­ra.

Este quadro reproduz-se por toda a

Europa e podemos questionar com que direito mantemos as exigências de Copenhaga para os novos membros, quando em muitos dos antigos membros surgem forças políticas relevantes, à beira do poder, prontas para contornar tais exigências da Democracia e do Estado de Direito?

Face a esta política a extremar-se e a esta sociedade cindida, sinto-me em casa, no pior dos sentidos do termo. Somos parte desta Europa que se desentende dia a dia e os problemas dos europeus são os nossos problemas. Para o bem e para o mal, estamos juntos!

Além da Feira do Livro, tive ainda o prazer de um encontro na livraria portuguesa de Bruxelas, chamada precisamen­te La Petite Portugaise. Este nome nasceu da ideia de se distinguir da falecida livraria portuguesa bruxelense Orfeu. Mas a seleção dos livros portuguese­s que tem à venda revela um gosto seguro e um conhecimen­to atualizado e atento do que melhor se escreve e publica em Portugal. Tem clientes fiéis, debates frequentes com autores e uma vida e atividade notáveis para uma livraria pequena e feita por pouca gente, como esta “Petite Portugaise”. Que cresça e que seja cada vez mais conhecida e apoiada pelos portuguese­s de Bruxelas!

A minha iniciação à língua e à cultura francesa foi feita nos livros do belga Hergé e a minha devoção a Tintin vem de longe e continua firme dentro de mim. Jacques Brel foi outro mestre, lírico e desesperad­o, satirizand­o sempre os burgueses bem instalados na vida e com uma conceção amarga do amor como eterna luta.

A exposição Surrealism­o na Bélgica, aberta no Bozar, mostra como a vanguarda artística belga lutou contra o conservado­rismo social e desafiou todas as convenções. Devemos ao surrealism­o belga pintores como Magritte e Delvaux, poetas como Nougé. Com todas as suas ligações a Paris e aos movimentos literários e culturais franceses, a expressão artística belga mantém traços de originalid­ade bem marcada.

Escrevo de Bruxelas para não falar de nós. Mas, neste momento, a verdade é que tudo na Europa fala de nós.

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