Diário de Notícias

O Governo de Montenegro que lançou a confusão

- Carlos Ferro Editor Executivo do Diário de Notícias

Estudo do MIT, de 2019, frisava que as fake news se espalham nas redes sociais a uma velocidade seis vezes superior às notícias verdadeira­s...”

Há dias um amigo enviou-me um link de uma publicação na rede social X (antigo Twitter) dizendo que ia divertir-me a ler os comentário­s que gerou.

Assim, sem mais explicaçõe­s, lá fui ver o post de duas linhas. O autor escreveu: “Este Governo de Montenegro não me representa. Não é o meu Governo.” E era acompanhad­o de uma fotografia onde estavam visíveis 17 homens e três mulheres.

Ironias à parte – perante a realidade política nacional podemos sempre relacionar a publicação com o Governo português liderado por Luís Montenegro e, porventura, terá sido essa a intenção –, o que se segue é uma excelente demonstraç­ão de como se pode inflamar, de propósito ou não, as redes sociais.

Claro que, após alguns comentário­s – “Baza daqui” ou “emigra” são dois dos conselhos mais simpáticos para o responsáve­l pelas frases –, este escreve que nunca foi aos Balcãs e que se referia ao país que se tornou independen­te da Sérvia em 2006 e que faz parte da União Europeia desde 2010 e cujo Executivo é liderado por Milojko Spaji, eleito em outubro de 2023.

O rol de comentário­s ao post inicial mostra como é possível fazer extraordin­árias análises políticas. Por lá pode ler-se que a confusão entre “Montenegro­s” ajuda a compreende­r os votos que o partido ADN recebeu nas eleições legislativ­as de 10 de março – recebeu 102 132 votos, ou seja 1,5% do total – devido a uma suposta confusão com a coligação AD (PPD/PSD, CDS/PP e PPM), entre outras consideraç­ões, nem todas simpáticas para o dono da conta na X.

O certo é que este episódio, que nem sequer é original nas redes sociais, ajuda a perceber a forma como é fácil manipular a opinião pública ou, pelo menos, a parte constituíd­a pelas pessoas que seguem o que se escreve nestes fóruns sem se darem ao trabalho de passar do título ou da primeira frase. Uma decisão motivada pela rapidez com que se quer consumir informação ou apenas pela “maçada” que é ler textos um pouco mais longos, com argumentos e estruturad­os. E, claro, sem frases bombástica­s.

Já no que diz respeito aos comentário­s o anonimato também costuma ser um ótimo parceiro nas redes sociais.

Numa altura em que a maior parte das pessoas procura informação quase exclusivam­ente online, com muitas a não fazerem uma “viagem” por mais de um site ou rede social e a não terem uma visão crítica do que leem, estamos a caminhar em ritmo acelerado para discussões como aquela em redor do “Montenegro” sem que, na realidade, interesse o que se escreveu. Importante sim é aquilo que os leitores acham que leram e a sua interpreta­ção do que está escrito.

Não é uma discussão nova, pelo contrário, até tem aumentado nos últimos anos, mas a verdade é que este post de duas frases é um retrato de como uma sociedade pode ser condiciona­da. Basta escolher bem as palavras.

Há muitos estudos sobre como a informação disseminad­a pela internet pode ajudar à manipulaçã­o e à desinforma­ção – entre os inúmeros exemplos temos sempre o caso da Cambridge Analytica, empresa acusada de manipular as eleições norte-americanas na primeira candidatur­a de Donald Trump, e em outros sufrágios pelo mundo –, assim como de incitar ao bullying, principalm­ente nos jovens. Mas, também, é importante frisar que a internet é um mundo importantí­ssimo na nossa vida e uma ferramenta essencial para ajudar a desconstru­ir teorias que não aguentam uma argumentaç­ão contrária.

E não nos esqueçamos que segundo um estudo do Instituto de Tecnologia do Massachuse­tts (MIT), de 2019, as fake news espalham-se nas redes sociais a uma velocidade seis vezes superior às notícias verdadeira­s...

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal