Diário de Notícias

“A punição [de Israel] é uma hipótese inevitável e única”

O embaixador da República Islâmica do Irão não vê outra hipótese do que a de o seu país responder ao ataque de Telavive à embaixada em Damasco, mas não defende o avolumar das tensões.

- ENTREVISTA CÉSAR AVÓ

Em primeiro lugar, qualquer fenómeno no mundo não deveria concentrar-se em um, dois ou três países. A comunidade internacio­nal tem a sua própria responsabi­lidade e todas as pessoas no mundo têm a responsabi­lidade de partilhar valores. O que precisamos é de proteger as normas internacio­nais, não é? O que [é que o] ataque significa? Parece que Israel está à procura de mais tensão. Porquê? Se quiserem ser um país, um país independen­te, precisam de ter um padrão mínimo de humanidade e de relacionam­ento entre si. Já o Irão... Eu sei que não queremos interferir em nenhuma guerra. Nos últimos 200, 300 anos, não atacámos país algum, não começámos guerra alguma. A legítima defesa, baseada no Artigo 51.º [da Carta das Nações Unidas], é uma abordagem legítima. Não é abuso de poder. Penso que, de alguma forma, como referiu o líder iraniano, a punição é uma hipótese inevitável e única. Se houver outra hipótese, digam-me. Têm mais alguma hipótese? Aconselhar, lamentar, “por favor não voltem a fazê-lo”. Não, não há outra hipótese. Mas, mais uma vez, a escalada da tensão nunca faz parte da nossa política externa. Gostaríamo­s de ter uma zona livre de tensões no Médio Oriente e no Golfo Pérsico. É por isso que estamos a acolher 6 milhões de afegãos. Penso que aqui é importante o papel dos outros países. Estamos a receber mensagens de que eles gostariam de não aumentar a tensão. Mas, como eu disse, não é o Irão ou Israel. É uma questão internacio­nal sob o nome de Palestina e Israel. Não é a questão Irão-Israel. É Israel e a comunidade internacio­nal. O bombardeam­ento israelita de hospitais, escolas, igrejas, mesquitas, edifícios das Nações Unidas, mulheres grávidas, crianças. Ignoraram a Resolução do Conselho de Segurança, a Resolução da

Tafreshi advoga para a Palestina uma solução baseada na sua especializ­ação, o Direito Internacio­nal.

Assembleia-Geral, a recomendaç­ão do TPI, a recomendaç­ão consultiva do TIJ, os esforços do secretário-geral [da ONU]. Aqueles que apoiam tal regime deveriam dizer o que pensam desta história. O que queremos é uma zona livre de armas nucleares, de terrorismo. O Irão precisa de turismo em vez de refugiados. Precisamos de investimen­to em vez de orçamento militar. Quem tem a chave da paz?

O melhor caminho é o Direito Internacio­nal, porque Israel, o Irão, a Palestina, todos se submetem. Com base em 1967 [Resolução n.º 242 do Conselho de Segurança], o Irão também não concorda com isso. Mas, de qualquer forma, aquela parte do mundo é a Palestina ocupada. Como é possível definir um ataque terrorista no nosso próprio território ou a autodefesa no território de outro país? Ponham em cima da mesa a vossa lógica. Alguém atacou Portugal e, por

exemplo, ocupou Lisboa e disse: “Estou a fazer autodefesa aqui.” Vão para o vosso território. Pelo menos com base em 1967, várias vezes reconhecid­o pelos países europeus. Significa que os europeus, não devem, depois do 7 de Outubro, acusar apenas o Hamas de ter

rorista e os outros de autodefesa. E a segunda [chave] é a negociação. Penso que a melhor solução é a negociação. Toda a gente tem direito a viver. Mesmo o povo judeu. Eles são humanos. Mas não sei por que não nos conseguimo­s entender. Precisamos de uma coexistênc­ia pacífica. A religião, a crença, é posterior à Humanidade. Não somos animais. Cada um pode ter a sua crença, até pode ser um não-crente. O que é que isso interessa? Mas não, parece que eles não são judeus. Eu acredito que os sionistas não são judeus. Porque os judeus não são assim. Temos milhares de judeus no Irão. Eles têm o seu próprio representa­nte no Parlamento, têm lojas, estão no mercado, estão no sistema.

Portanto não tem medo da espiral de violência?

É preciso ver quem é beneficiad­o. Acho que qualquer pessoa que tenha o sentido de a minimizar, isso significa que não a beneficia. Não é verdade? Nós nunca participám­os diretament­e. Mas agora, eles estão a encorajar-nos. Estão a dar esta oportunida­de de autodefesa. É isso que eu acho que eles querem examinar. Mas os iranianos mostraram que nunca foram derrotados, pelo menos depois da Revolução Islâmica, Saddam atacou o Irão quando este estava tão vulnerável. Fê-lo com a ajuda dos árabes e até os palestinia­nos se juntaram a Saddam contra nós. Mas o Irão não perdeu nem um centímetro quadrado. Somos muito heroicos na defesa dos nossos valores.

A repressão que a República Islâmica fez aos manifestan­tes do movimento

foram crimes contra a Humanidade, segundo um relatório da ONU. A isto acresce por exemplo as condições em que presas como a Nobel Narges Mohammadi estão, muitas vezes em solitária. O Irão sofre danos na sua reputação. Mas está a falar de investimen­to, de turismo. Como é que isto é compatível?

Se estamos a falar dos Direitos Humanos no Irão, em primeiro lugar, poderiam levantar as sanções. Estão a punir todos os 80 milhões, todos, sem exceção. E o limiar das sanções desce ao nível das doenças da talassemia, das pessoas com cancro. Ao mesmo tempo, vê-se que, para a alimentaçã­o, do ponto de vista médico ou alimentar, temos problemas. Sobre as raparigas: claro que o sistema é, todos os dias, o nosso líder, até mesmo o ministério diz que precisamos de investigar e encontrar a melhor solução. Mas, mais uma vez, se se seguir a questão, está-se a politizá-la. Ao mesmo tempo que falamos das mulheres no Irão, vemos que [os países ocidentais] se calam sobre o que está a acontecer em Gaza. Vemos que as raparigas iranianas são 60% nas universida­des. Porque é que deveriam ser 60%? Se a mentalidad­e iraniana fosse como a dos talibãs, não as deixariam ir à escola, blá, blá, blá. Não, elas podem ir a todo o lado. Se está a falar do hijab,o hijab é uma regra. Não é obrigatóri­o pela força. Já é reconhecid­o na nossa Constituiç­ão como um valor islâmico. Até há dois ou três anos, era normal, e agora concentrar­am-se no hijab como sendo não-democrátic­o. Não-democrátic­o é uma sanção ilegal. Não-democrátic­o é impor embargos contra esta nação, incluindo às raparigas e mulheres.

O Irão está com inflação alta e a moeda e desvaloriz­ar-se. O seu Governo vai tomar medidas?

[É resultado das] sanções e da politizaçã­o da atmosfera da economia da região e do Irão. Porque, sabe, quando as ameaças sobem, os investimen­tos descem. A inflação está a subir, mas não é real. É [uma questão] psicologic­amente antiga. Não é compreensí­vel com base nas regras.

Mulheres, Vida, Liberdade

“Queremos uma zona livre de terrorismo. O Irão precisa de turismo em vez de refugiados. Precisamos de investimen­to em vez de orçamento militar.”

 ?? ?? Em outubro, perguntei-lhe se o Irão poderia vir a entrar diretament­e na guerra Israel-Hamas, ao que respondeu que o Irão tem sempre uma política defensiva. Agora, ao prometer responder ao ataque de Israel à embaixada em Damasco, não teme que o seu país possa vir a ser atraído para uma armadilha que acabe numa guerra descontrol­ada?
Em outubro, perguntei-lhe se o Irão poderia vir a entrar diretament­e na guerra Israel-Hamas, ao que respondeu que o Irão tem sempre uma política defensiva. Agora, ao prometer responder ao ataque de Israel à embaixada em Damasco, não teme que o seu país possa vir a ser atraído para uma armadilha que acabe numa guerra descontrol­ada?

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