Novos sinais do Grande Filtro vindos do Médio Oriente?
Édifícil não olhar para as imagens do sistema de defesa Cúpula de Ferro a intercetar e destruir a maioria dos projéteis lançados pelo Irão contra Israel, este sábado à noite, e não imaginarmos estar perante uma cena de um filme de StarWars. Era, provavelmente, este o grande objetivo do regime dos ayatollahs: espetáculo. Apesar do elevado número de engenhos lançados, o facto de o ataque ter sido anunciado permitiu que os sistemas de defesa, além da preciosa ajuda das forças militares norte-americanas e britânicas, funcionassem. Nenhum dos 185 drones e 30 mísseis de cruzeiro usados no ataque tocaram solo israelita, e dos 110 mísseis balísticos, apenas um pequeno número de facto passou incólume, causando estragos negligenciáveis em alvos militares, segundo o Governo de Israel.
Facto é que o regime iraniano precisava fazer algo de elevado espetáculo tanto para consumo externo, como interno, numa altura em que Teerão vive um período de contestação ao regime como há muito não se via.
Esta resposta ao ataque israelita do início do mês às instalações iranianas em Damasco (oficialmente classificadas como consulado), que tiveram o objetivo de eliminar um dos comandantes da tropa de elite do Irão, foi assim mais uma ação de propaganda do que militarmente relevante – daí os meios empregados. Mas não deixa de ser a primeira vez que o Irão (que, desde que os ayatollahs chegaram ao poder, em 1979, não aceita a existência de Israel) ataca diretamente o inimigo a partir do seu solo, sem usar os seus países mandatários. É assim seguro dizer que, a partir deste sábado, a situação no barril de pólvora permanente que é o Médio Oriente entrou num novo ponto de crise sem paralelo. E não será preciso explicar detalhadamente por que os conflitos ali têm inevitáveis consequências globais...
Simultaneamente, o Congresso dos EUA bloqueia a ajuda à Ucrânia, no que, na prática, significa entregar a guerra a Putin; as presidenciais norte-americanas antecipam o regresso de Trump e, com ele, virá se não um novo período de isolacionismo americano, pelo menos um nível de imprevisibilidade que só ajuda aqueles que sonham ver as democracias liberais destruir-se por dentro; e, em simultâneo, com a União Europeia a ter de confrontar-se, já demasiado tarde, provavelmente, com a incapacidade militar em que se deixou cair e a quase irrelevância num mundo que pode virar-se para o eixo Ásia-Pacífico.
Mas mesmo a economia chinesa está atualmente em curva descendente, após uma crise imobiliária sem precedentes – criada pelo próprio regime – com o presidente Xi Jinping a procurar novas soluções que, num país autocrático como o seu, dificilmente funcionarão sem artificiais custos humanos gigantescos.
Até porque, ao mesmo tempo, teremos todos de lidar com a nova Revolução Industrial que já está a decorrer: a Inteligência Artificial. Com a chamada Quarta Revolução Industrial, o Banco Mundial antecipa – no imediato –, que cerca de um terço da atividade económica irá incorporar sistemas de automação nos EUA, Europa e Ásia – incluindo China –, o que tará potencialmente aumentos de produtividade gigantescos, mas também acarreta (a todos os níveis) riscos sociais grandes. A sociedade terá de saber lidar com esta realidade, mas tal não se adivinha fácil, em especial quando, nas democracias ocidentais, temos dos piores políticos dos últimos 60 ou 70 anos um pouco por todo o mundo.
E nem falámos das questões climáticas...
Saberá a Humanidade ultrapassar todas estas dores de crescimento?
Por coincidência – ou não – no início da semana passada, Michael Garrett, astrónomo da Universidade de Manchester e diretor do Centro de Astrofísica Jordrell Bank, retomou um velho assunto – a solução para o Paradoxo de Fermi – que, na realidade, pode bem ser o nosso retrato.
Grosso modo, o Paradoxo de Fermi resulta de uma simples equação criada pelo físico Enrico Fermi em 1950 que basicamente diz qualquer coisa como: dada a enorme quantidade de estrelas na nossa galáxia (200 mil milhões), mesmo que apenas uma pequena parte tenha planetas (sabemos hoje que quase todas têm), se apenas alguns deles tiverem vida e uma parte ainda menor dessa vida desenvolver inteligência e tecnologia, devíamos ter uma galáxia pejada de civilizações extraterrestres! No entanto, não vemos qualquer sinal delas... Daí o paradoxo.
Há várias respostas possíveis (não procuramos há tempo suficiente; não olhamos para os sítios certos, etc.), mas o mais tradicional chama-se o Grande Filtro: talvez seja comum às civilizações tecnológicas – como nós – chegarem a um ponto em que (quando descobrem a bomba nuclear...) se autodestroem. Talvez apenas uma pequena percentagem seja capaz de passar esse período de “crescimento” e daí que a vida verdadeiramente inteligente na galáxia seja afinal rara.
Garrett propõe outra coisa: o Grande Filtro pode vir da Inteligência Artificial. Do que hoje sabemos do desenvolvimento informático, parece crível que uma civilização tecnológica crie sistemas de automação à sua imagem que, eventualmente, poderão ganhar senciência. E esse poderá ser o momento-chave, postula o físico.
Para nós, Humanidade, esse momento estará ainda muitos anos à nossa frente. Mas poderá não ser esse o nosso Grande Filtro. O de uma guerra regional que descambe num conflito global não está, de todo, posto de parte. Facto é que vivemos hoje desafios maiores do que nunca e, apesar de termos as maiores e mais poderosas ferramentas alguma vez criadas, é duvidoso que tenhamos as melhores pessoas para as utilizarem.
Resta esperar que, apesar de tudo, ainda haja boas surpresas.