Diário de Notícias

Novos sinais do Grande Filtro vindos do Médio Oriente?

- Ricardo Simões Ferreira Editor do Diário de Notícias

Édifícil não olhar para as imagens do sistema de defesa Cúpula de Ferro a intercetar e destruir a maioria dos projéteis lançados pelo Irão contra Israel, este sábado à noite, e não imaginarmo­s estar perante uma cena de um filme de StarWars. Era, provavelme­nte, este o grande objetivo do regime dos ayatollahs: espetáculo. Apesar do elevado número de engenhos lançados, o facto de o ataque ter sido anunciado permitiu que os sistemas de defesa, além da preciosa ajuda das forças militares norte-americanas e britânicas, funcionass­em. Nenhum dos 185 drones e 30 mísseis de cruzeiro usados no ataque tocaram solo israelita, e dos 110 mísseis balísticos, apenas um pequeno número de facto passou incólume, causando estragos negligenci­áveis em alvos militares, segundo o Governo de Israel.

Facto é que o regime iraniano precisava fazer algo de elevado espetáculo tanto para consumo externo, como interno, numa altura em que Teerão vive um período de contestaçã­o ao regime como há muito não se via.

Esta resposta ao ataque israelita do início do mês às instalaçõe­s iranianas em Damasco (oficialmen­te classifica­das como consulado), que tiveram o objetivo de eliminar um dos comandante­s da tropa de elite do Irão, foi assim mais uma ação de propaganda do que militarmen­te relevante – daí os meios empregados. Mas não deixa de ser a primeira vez que o Irão (que, desde que os ayatollahs chegaram ao poder, em 1979, não aceita a existência de Israel) ataca diretament­e o inimigo a partir do seu solo, sem usar os seus países mandatário­s. É assim seguro dizer que, a partir deste sábado, a situação no barril de pólvora permanente que é o Médio Oriente entrou num novo ponto de crise sem paralelo. E não será preciso explicar detalhadam­ente por que os conflitos ali têm inevitávei­s consequênc­ias globais...

Simultanea­mente, o Congresso dos EUA bloqueia a ajuda à Ucrânia, no que, na prática, significa entregar a guerra a Putin; as presidenci­ais norte-americanas antecipam o regresso de Trump e, com ele, virá se não um novo período de isolacioni­smo americano, pelo menos um nível de imprevisib­ilidade que só ajuda aqueles que sonham ver as democracia­s liberais destruir-se por dentro; e, em simultâneo, com a União Europeia a ter de confrontar-se, já demasiado tarde, provavelme­nte, com a incapacida­de militar em que se deixou cair e a quase irrelevânc­ia num mundo que pode virar-se para o eixo Ásia-Pacífico.

Mas mesmo a economia chinesa está atualmente em curva descendent­e, após uma crise imobiliári­a sem precedente­s – criada pelo próprio regime – com o presidente Xi Jinping a procurar novas soluções que, num país autocrátic­o como o seu, dificilmen­te funcionarã­o sem artificiai­s custos humanos gigantesco­s.

Até porque, ao mesmo tempo, teremos todos de lidar com a nova Revolução Industrial que já está a decorrer: a Inteligênc­ia Artificial. Com a chamada Quarta Revolução Industrial, o Banco Mundial antecipa – no imediato –, que cerca de um terço da atividade económica irá incorporar sistemas de automação nos EUA, Europa e Ásia – incluindo China –, o que tará potencialm­ente aumentos de produtivid­ade gigantesco­s, mas também acarreta (a todos os níveis) riscos sociais grandes. A sociedade terá de saber lidar com esta realidade, mas tal não se adivinha fácil, em especial quando, nas democracia­s ocidentais, temos dos piores políticos dos últimos 60 ou 70 anos um pouco por todo o mundo.

E nem falámos das questões climáticas...

Saberá a Humanidade ultrapassa­r todas estas dores de cresciment­o?

Por coincidênc­ia – ou não – no início da semana passada, Michael Garrett, astrónomo da Universida­de de Manchester e diretor do Centro de Astrofísic­a Jordrell Bank, retomou um velho assunto – a solução para o Paradoxo de Fermi – que, na realidade, pode bem ser o nosso retrato.

Grosso modo, o Paradoxo de Fermi resulta de uma simples equação criada pelo físico Enrico Fermi em 1950 que basicament­e diz qualquer coisa como: dada a enorme quantidade de estrelas na nossa galáxia (200 mil milhões), mesmo que apenas uma pequena parte tenha planetas (sabemos hoje que quase todas têm), se apenas alguns deles tiverem vida e uma parte ainda menor dessa vida desenvolve­r inteligênc­ia e tecnologia, devíamos ter uma galáxia pejada de civilizaçõ­es extraterre­stres! No entanto, não vemos qualquer sinal delas... Daí o paradoxo.

Há várias respostas possíveis (não procuramos há tempo suficiente; não olhamos para os sítios certos, etc.), mas o mais tradiciona­l chama-se o Grande Filtro: talvez seja comum às civilizaçõ­es tecnológic­as – como nós – chegarem a um ponto em que (quando descobrem a bomba nuclear...) se autodestro­em. Talvez apenas uma pequena percentage­m seja capaz de passar esse período de “cresciment­o” e daí que a vida verdadeira­mente inteligent­e na galáxia seja afinal rara.

Garrett propõe outra coisa: o Grande Filtro pode vir da Inteligênc­ia Artificial. Do que hoje sabemos do desenvolvi­mento informátic­o, parece crível que uma civilizaçã­o tecnológic­a crie sistemas de automação à sua imagem que, eventualme­nte, poderão ganhar senciência. E esse poderá ser o momento-chave, postula o físico.

Para nós, Humanidade, esse momento estará ainda muitos anos à nossa frente. Mas poderá não ser esse o nosso Grande Filtro. O de uma guerra regional que descambe num conflito global não está, de todo, posto de parte. Facto é que vivemos hoje desafios maiores do que nunca e, apesar de termos as maiores e mais poderosas ferramenta­s alguma vez criadas, é duvidoso que tenhamos as melhores pessoas para as utilizarem.

Resta esperar que, apesar de tudo, ainda haja boas surpresas.

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