Diário de Notícias

Ascensão e grandeza da A24

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Guerra Civil nasceu graças ao facto da A24, a sua produtora, ser a nova coqueluche do cinema americano, aliando negócio e o bom gosto cinematogr­áfico cirúrgico. Uma casa de cinema que financia filmes como Diamante Bruto, dos Safdie, ou Beau Tem Medo, de Ari Aster, mas também séries como Euphoria ou Irma Vep.A label que dá liberdade aos cineastas.

Ocaso do lançamento de Guerra Civil nos EUA marca uma nova etapa na distribuiç­ão americana. Até à data foi o maior lançamento de um filme “independen­te” e os resultados foram francament­e bons: cerca de 25 milhões de abertura neste último fim de semana.

Nunca nenhum título fora das majors teve tantas cópias nas salas no primeiro fim de semana. Uma decisão da A24, label que parece estar a revolucion­ar o panorama da distribuiç­ão nos EUA. Um pequeno estúdio que está a fazer um percurso de evolução absolutame­nte extraordin­ário, lembrando um pouco a situação da Miramax décadas atrás.

Como uma assinatura...

Para os mais distraídos, o logótipo da A24 está associado apenas ao cinema de terror, mas, na verdade, é um estúdio que tem conseguido montar projetos mais arriscados e seguir cineastas emergentes. Daniel Katz, David Fenkel e John Hodges são os nomes por detrás de uma curadoria que mistura arte e muito negócio.

A A24 faz dinheiro, disso não restam dúvidas e a forma como estão a promover Guerra Civil é um sério

aviso aos estúdios grandes de que vem aí nova companhia, com a particular­idade de estarem fora de Hollywood – a sede é orgulhosam­ente em Nova Iorque.

Fundada em 2012 como casa de art house, hoje esta companhia vale biliões de dólares, tendo tido o ano passado a tão procurada glória dos Óscares com o triunfo de Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, da dupla Daniels, e de A Baleia, de Darren Aronovsky. Este ano, a bonança da Academia não foi tão hegemónica, mas deu para picar o ponto com a aposta em Jonanthan Glazer e o seu A Zona de Interesse, vencedor do Óscar de Filme Internacio­nal.

Também já em 2024 os sinais da expansão foram notórios por exemplo no Festival de Berlim, onde a maioria das obras americanas tinham o seu carimbo, com o destaque para Amor em Sangue, da inglesa Rose Glass, entretanto já estreado entre nós, e o premiado A Different Man, de Aaron Schimberg.

2024 é, aliás, o ano que traduz a ousadia deste “pequeno” estúdio: Priscilla, de Sofia Coppola; The Iron Claw, de Sean Durkin; e Vidas Passadas, de Celine Song são alguns dos filmes A24 já estreados nos nossos cinemas – todos eles obras produzidas de raiz e não como antigament­e, em que esta label preferia apenas apostar na distribuiç­ão de filmes já em pós-produção ou descoberto­s nos festivais.

O gosto de arriscar

A tónica do gosto e do mood dos projetos escolhidos passa sempre por esse conceito de risco e intransigê­ncia artística. Talvez por isso, por vezes, surgem filmes menores como All Dirt Roads Taste of Salt, de Raven Jackson, desilusão maior da competição de San Sebastián 2023, o frustrante A Lenda do Cavaleiro Verde, de David Lowery, ou belos filmes que falharam em ter visibilida­de global, como Showing Up, de Kelly Reichardt, ou C’mon C’mon, de Mike Mills.

Depois, importante, extremamen­te importante – na A24 o cineasta é endeusado: tem licença para fazer o que quer. Nesse aspeto, há um lado visionário nesta operação quando se põem as fichas todas em cineastas como Ari Aster ou Robert Eggers, dois dos cineastas mais importante­s do novo cinema de autor americano. Obras desses cineastas como Midsommar ou O Farol são quase como bandeiras desta ascensão. São alguns dos filmes que ajudaram a tornar cool para um novo público a estratégia da A24. Quando o logótipo filmado com película assumidame­nte riscada aparece no começo de uma obra, para muitos, já é estatuto ou garantia de qualidade.

As séries A24

Para além do cinema, há o investimen­to em televisão. As produções de ficção televisiva desta casa também primam por ser mais negras e desempoeir­adas do que as da concorrênc­ia.

Mesmo o cinéfilo que não é especialis­ta de séries talvez já tenha percebido o bom hype de séries como The Curse, de Bennie Safdie e Nathan Fielder, com Emma Stone, o fenómeno premiado de Beef ou a popular Euphoria, com a maravilhos­a Zendaya. Mesmo aí, a sede por fazer diferente estar a dar grandes frutos para A24.

Lições de marketing

Importante para todo esse fervor, as questões do marketing. Todas as campanhas de promoção das séries e dos filmes parecem mostrar uma nova atitude. Um marketing que sabe igualmente ser arriscado, ter a chamada edge.

É por aí que uma série como The Sympathise­r, com Robert Downey Jr., se arrisca a ser de culto ou que a instalação final de X, MaXXXine, de Ty West, outro slow terror, esteja a deixar-nosinquiet­osdeanteci­pação.

Por outro lado, os analistas do mercado são unânimes em reconhecer que a eficácia nas redes sociais da A24 está anos-luz à frente dos outros. Reza a lenda que o sucesso de Spring Breakers:Viagem de Finalistas, obra genial de Harmony Korine, foi fabricado dessa forma, mas também é fácil deduzir que a maneira como Aftersun, de Charlotte Wells, foi lançado na América terá sido pela via da gestão do sucesso no Festival de Cannes.

Em suma, alguém que fique apadrinhad­o por esta marca tem a vida facilitada no cinema internacio­nal. Cineastas como Joanna Hogg, Danny e Matty Phillipou, Sean Baker e Lee Isaac Chung devem o céu e a terra à A24. E cada vez é mesmo melhor meter de uma vez por todas na cabeça que aqui não há só o melhor elevated horror ou art horror do momento. Tudo o que é A24 fica, no mínimo, diferencia­do...

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Arte gráfica de MaXXXine, de Ti West, provavelme­nte um dos filmes mais ansiados do ano.
 ?? ?? Aftersun, um dos muitos títulos icónicos da A24.
Aftersun, um dos muitos títulos icónicos da A24.

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