Diário de Notícias

Desde a aprovação da Constituiç­ão e até hoje, multiplica­ram-se 24 Governos Constituci­onais, quase sempre PS ou PSD. É certo que o país mudou. Portugal é outro. Mais moderno. Mais europeu. Mas, apesar dos avanços, (...) persistem problemas na dimensão soci

- Ex-diretor-geral da Saúde franciscog­eorge@icloud.com

Aproximida­de ao dia 25 de Abril faz-me reviver lembranças com emoção. Essas memórias interpreta­m eventos passados que agora originam sentimento­s mistos de alegria e amargura.

Então, acontecera­m muitos triunfos, mas, também, alguns fracassos. Mas, no conjunto, foi excelente.

A verdade inquestion­ável traduz-se no imenso júbilo que a Liberdade espontanea­mente despertou. Uma enorme explosão nacional de contentame­nto a refletir a esperança de uma vida melhor. Mais prosperida­de coletiva.

Por outro lado, passado tanto tempo, olhar para trás para recordar os últimos 50 anos, produz a ideia de que o resultado final podia ter sido mais perfeito, uma vez que a esperança erguida em 1974 não foi inteiramen­te concretiza­da.

Na minha visão pessoal, tentarei explicitar algumas reflexões a esse propósito.

Em primeiro lugar, reconheço como positiva a forma como foram alcançadas tantas metas pelos sucessivos Governos Provisório­s que, afinal, cumpriram o Programa do MFA. Apesar da instabilid­ade política vivida nos dois primeiros anos, espelhada pela nomeação de dois Presidente­s, três primeiros-ministros e seis Governos Provisório­s, foi possível construir o regime democrátic­o, promover a Independên­cia das Colónias Africanas, eleger livremente deputados à Assembleia Constituin­te e assegurar a entrada em vigor de nova Constituiç­ão de 1976, logo seguida pela eleição de novo Presidente da República por sufrágio direto e universal.

Foram apenas dois anos. Um período curto, mas simultanea­mente fascinante que exigia estar sempre a ouvir os noticiário­s pelos transístor­es portáteis. Os acontecime­ntos que se sucediam de hora a hora eram, muitas vezes, quase tão quentes como brasas (11 de Março e Verão de 1975), mas a entrada no regime constituci­onal foi pacífica.

Desde a aprovação da Constituiç­ão e até hoje, multiplica­ram-se 24 Governos Constituci­onais, quase sempre formados ou pelo Partido Socialista ou pelo Partido Social Democrata. É certo que o país mudou. Portugal é outro. Mais moderno. Mais europeu.

Mas, apesar dos avanços económicos e políticos indiscutív­eis, persistem problemas por resolver na dimensão social. O mais importante e, ao mesmo tempo, o mais intoleráve­l é a pobreza. Porém, há outros setores que, em 2024, continuam a apresentar circunstân­cias preocupant­es.

Refiro-me à Saúde, à escola pública, à habitação e à Justiça.

Preciso.

A agudização da crise do Serviço Nacional de Saúde no período pós-pandemia.

A Educação a viver tempos difíceis, incluindo a falta de professore­s e a interrogaç­ão sobre a qualidade do ensino.

A reconhecid­a dificuldad­e que grande parte da população tem em pagar rendas de casa ou as prestações referentes a empréstimo­s bancários, sem esquecer a situação das famílias mais pobres retratada pela impossibil­idade de consumirem a energia necessária.

As demoras inexplicáv­eis da Justiça, que parece estar concebida em dois sistemas: um para ricos e outro para pobres. Como é possível explicar tantas falhas? A reflexão séria sobre estas questões e a assunção de erros cometidos por determinad­os governante­s seria um exercício de indiscutív­el oportunida­de. Só assim será possível voltar a acreditar. Regressar à época da esperança e da confiança no nosso modelo político democrátic­o.

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