Diário de Notícias

Polícias. Gerir as expetativa­s de um vulcão em risco de erupção

- Valentina Marcelino Diretora adjunta do Diário de Notícias

“Uma pessoa pode enganar muita gente durante um certo tempo; pode até mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não será possível enganar todos para sempre.” Poucos não conhecem esta frase atribuída a Abraham Lincoln, 16.º presidente dos Estados Unidos, libertador dos escravos em 1863. Este conselho tem percorrido a História e nunca deixou de ser atual no que diz respeito a uma arma crucial na política: a gestão das expetativa­s.

Ora quando se lê as notícias da manhã desta quinta-feira sobre a ameaça de “movimentos inorgânico­s” de polícias se manifestar­em no dia 25 de abril em frente à Assembleia da República, boicotarem operações de segurança e voltar (atenção com o “voltar”, pois admitem que já o fizeram) a usar baixas fraudulent­as, caso não haja um acordo com o Governo até 10 de maio, em relação ao pagamento de um subsídios de risco equiparado ao da Polícia Judiciária (PJ), é fácil concluir que já estamos na última fase do conselho de Lincoln.

Não duvidando de que a ministra da Administra­ção Interna, Margarida Blasco, tem definidos os critérios e o calendário para este pagamento com o aval do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, é bom que os explique o mais cedo possível – já na reunião do próximo dia 22 com os sindicatos da PSP e associaçõe­s da GNR.

No comunicado oficial que chegou às redações não é isso, porém, que se advinha das intenções da equipa governativ­a. “Definir e estabelece­r a metodologi­a e protocolo de audição e negocial respetivam­ente bem como a apresentar os pressupost­os do âmbito e objeto para discussão e negociação entre as partes” (sic) são os pontos de agenda atabalhoad­amente escritos, sem que nada, mas mesmo nada, se diga que faça arrefecer aquele vulcão que já explodiu no início do ano – com protestos fora de controlo a causar intenso alarme público – e que só interrompe­u a sua fúria por causa da realização das eleições legislativ­as e das expetativa­s criadas.

Em campanha, Luís Montenegro, recorde-se, classifico­u como “erro imperdoáve­l” o facto de o Executivo de António Costa ter atribuído este subsídio – que tem como fundamento legal os “ónus inerentes ao exercício das funções, bem como ao risco, insalubrid­ade e penosidade que lhes estão associados e que se prolongam no tempo muito para além do exercício das funções” – apenas à PJ. “O que se passa nas forças de segurança é muito grave e não pode ser silenciado. O Governo é o primeiro responsáve­l, porque criou uma desigualda­de no suplemento de missão entre a PJ, PSP e GNR”, afirmou, embora nunca se vinculando a valores.

Nos últimos dias, já depois da primeira reunião entre os sindicatos e Margarida Blasco, que decorreu no passado dia 12, ouvimos oficiais, agentes, chefes e alguns dirigentes sindicais lamentar que não tenha logo ali sido apresentad­a pelo Governo uma primeira base negocial.

A verdade é que passados quatro meses da publicação do decreto-lei que atribui o suplemento de missão às carreiras especiais da PJ de investigaç­ão criminal e de apoio, passando de 478 euros para 1026, nada mais se tem feito a não ser a gestão de expetativa­s. Carreiras em que a exclusivid­ade, disponibil­idade total e exigência de licenciatu­ra são regra.

Ainda nenhum dirigente, governamen­tal ou das forças de segurança, teve a coragem de dizer aos polícias o óbvio: até podem vir a ter um subsídio de risco em montante equivalent­e ao da PJ, mas não será certamente de uma vez, nem pelos mesmos pressupost­os. Ser PJ não é ser PSP nem GNR. Sem desvaloriz­ar nenhuma destas instituiçõ­es. Têm direitos e deveres distintos.

Neste momento, ao que soubemos, os polícias acreditam que esses 1026 euros são para já e ninguém lhes explicou porque não pode ser assim. Transparên­cia e diálogo com os representa­ntes das forças de segurança são condições sine qua non para explicar as razões por trás das disparidad­es salariais e discutir possíveis soluções de forma colaborati­va.

Analisar as diferenças nas atribuiçõe­s e responsabi­lidades das forças de segurança e garantir que as disparidad­es salariais estejam justificad­as por essas diferenças. Mais uma vez, o que é diferente tem de ter tratamento diferente.

Realizar um estudo detalhado do impacto financeiro de uma eventual equiparaçã­o salarial entre as diferentes forças de segurança, consideran­do o orçamento disponível e a sustentabi­lidade a longo prazo. Não esquecer que na PJ são dois mil com este suplemento e na GNR e na PSP seriam 43 mil.

Pensar noutras formas de compensaçã­o, com melhores serviços de saúde, condições mais justas para passagem à disponibil­idade, ajudam sempre, mas neste momento é urgente apresentar um plano.

“Não creio que as coisas fiquem serenas se não houver, desde logo, um compromiss­o com uma solução”, declarou o comandante da PSP do Porto, o superinten­dente chefe Pedro Gouveia, numa entrevista ao DN, não escondendo a sua preocupaçã­o com o efeito da frustração que vê nas suas mulheres e homens. Como ele, outros comandante­s também nos têm feito chegar a sua ansiedade em relação às negociaçõe­s.

Nesta dinâmica, Blasco tem como melhores aliados os sindicatos e associaçõe­s representa­tivas e estes, por seu lado, têm de saber distanciar-se dos perigosos “movimentos inorgânico­s” sem nenhuma hesitação, muito menos aproveitar “boleias” dos seus protestos. É uma enorme demonstraç­ão de fraqueza que numa autoridade de Estado, ainda mais com competênci­as de investigaç­ão criminal, como são a PSP e a GNR, não sejam identifica­dos e isolados os que subvertem as regras da democracia. É uma enorme fraqueza dos seus comandante­s. A não ser que lhes convenha. O tal vulcão, esse, não espera.

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