Diário de Notícias

Primeiros dias de um governo: erros e motherhood and apple pie

- Miguel Romão Professor da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa

Ocomeço em funções do novo Governo, não há como o dizer de outra maneira, é um começo em falso. Falso desde logo porque se animou e propalou a ideia de uma redução de cobrança de IRS de 1500 milhões de euros daqui por diante e se concluiu, finalmente, que, devido ao novo Governo, são apenas 173 milhões de redução. Associado a uma proposta de redução de IRC, cobrado às empresas, que ninguém pediu, nem aquelas, mas que foi assumido como desígnio dos novos governante­s.

Chamado o ministro das Finanças ao Parlamento, para explicar estas reduções de impostos de valores duvidosos, optou por não comparecer. Preferiu enviar-se para Washington, para uma reunião habitual do Fundo Monetário Internacio­nal, onde um secretário de Estado seria uma presença mais do que adequada e talvez até excessiva. No Parlamento, do qual este Governo depende mais do que qualquer outro dos governos recentes, ficou um ministro dos Assuntos Parlamenta­res, a ler um papel, e a tentar explicar o inexplicáv­el: afinal o Governo prefere baixar impostos às empresas do que às pessoas e nem sequer acentua, de forma especialme­nte sensível, a redução do IRS que já havia sido decidida pelo Governo e pela composição do Parlamento anteriores. Espera-se apenas que, atendendo à redução de cobrança de receita, o ministro das Finanças tenha atravessad­o o Atlântico em económica e não em executiva, pelo menos para dar o exemplo. Até porque vai precisar de todos os euros que poupe para cumprir as suas promessas eleitorais.

No mesmo dia, soube-se que uma nomeada por si para sua adjunta, com um extenso currículo de nomeação para cargos públicos regionais de relevo na Madeira, e arguida e acusada num processo de fraude com fundos europeus, afinal, posto de novo em público o seu currículo, “declinou aceitar” a nomeação. Acho mal: sabe-se bem, à saciedade, que a condição de arguido é uma circunstân­cia pelos vistos normal de quem se dedica também à vida pública, que se arrasta por longos anos e que lhe permite até processual­mente defender-se de forma mais adequada. Se uma mera adjunta se demite, no dia da nomeação, por ser arguida numa investigaç­ão criminal, onde afirma que não teve qualquer intervençã­o na alegada prática criminosa, está visto o que vai suceder em seguida... E não deixa de ser curioso o alto critério do PSD na indicação para funções públicas: para adjunta de ministro não serve graças ao Correio da Manhã, o cargo mais desgraçado em termos salariais e de quotidiano, habitualme­nte reservado a jovens em início de carreira, os únicos que aturam de bom grado o salário e a agenda. Para, na mesma condição de visada num processo-crime, ter sido deputada, vice-presidente do Governo Regional da Madeira e dirigente máxima de uma empresa pública durante 12 anos já não havia então qualquer problema...

Entretanto, este novo Governo insiste nos seus grandes desígnios imediatos: mudar um logótipo de identifica­ção administra­tiva e congregar pessoas à volta de uma mesa para falar sobre combate à corrupção. Sobre os desenhos, pouco há a dizer, o Governo é livre de os escolher e decidir, até porque os paga e, com ele, todos nós. Sobre a corrupção, um pouco mais haverá a dizer. Quanto tempo não se perdeu já à volta de mesas a falar sobre corrupção? E quanta legislação e mecanismos não foram criados e postos a vigorar? Claro que falar sobre combate à corrupção é sexy, pode dar votos e, como sobre motherhood and apple pie, quem disso pode dizer mal? Mas nada mais há a discutir sobre corrupção, a não ser investigá-la e, se demonstrad­a, puni-la. Punir a corrupção tem que ver com a demonstraç­ão de ganhos ilegítimos e de decisões enviesadas em especial no setor público. Não é preciso conversa adicional – pode esta, talvez com vantagem, ser substituíd­a por mais contabilis­tas ao serviço da Polícia Judiciária, menos burocracia e arbítrio na decisão administra­tiva ou menor tolerância à falta de cooperação internacio­nal de certos paraísos fiscais ou de Estados disponívei­s para pagar comissões encapotada­s aos seus próprios servidores públicos.

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