Inspetores lidam com o perigo e confessam que o medo “faz parte”
ROTINA Têm família e amigos, mas são discretos no que toca à profissão. Lidam com fugitivos perigosos e revelam que não contam tudo em casa.
T “emos a nossa vida normal. Sou casado, tenho mulher, filhos, o meu colega também”, começa por descrever Miguel Gonçalves, inspetor-chefe da Unidade de Informação Criminal (UIC) da PJ. “Também vou às festas de anos dos amigos dos meus filhos e da escola. Não todas, porque muitas vezes a profissão não permite”, lamenta.
As vigilâncias que são montadas aos fugitivos e outras diligências ditam que, muitas vezes, os inspetores tenham de trabalhar fora de horas. “Estamos mais limitados do que um indivíduo, por exemplo, que trabalha numa seguradora, que entra às nove e sai às cinco. Nós aqui sabemos quando entramos mas não sabemos quando saímos”, observa.
O segredo é uma regra de ouro para quem trabalha no meio do crime. “Temos de ter uma certa discrição, não andamos a dizer aos vizinhos que somos da PJ”, observa Miguel Gonçalves. “E temos a facilidade de não termos farda, isso ajuda muito”, acrescenta Fernando Santos, inspetor da UIC.
O perigo faz parte da profissão. Os fugitivos cometeram ou, no caso dos ainda não condenados, terão cometido crimes graves. São, por norma, pessoas violentas. As famílias dos inspetores sabem disso, mas eles não fazem conversa sobre o assunto. “Não vamos para casa contar o nosso dia a dia. Temos de saber viver”, avança o inspetor Fernando Santos. “A família, às vezes, sofre um bocadinho”, afirma o inspetor-chefe, Miguel Gonçalves.
E há medo. “Se não tiver medo, não serve para a função”, afiança o inspetor-chefe. “O medo faz parte, não nos pode é controlar. Temos de controlar o medo, não nos pode condicionar. Agora todos temos de ter medo. As coisas têm de ser bem pensadas e sempre em segurança. Nunca se trabalha sozinho na polícia”, avança, por sua vez, o inspetor Fernando Santos.
O diretor da UIC, José Leal, concorda
“O medo só é negativo se tomar conta de nós. [...9 Tendo em conta o empenho que eles têm, conhecendo-os bem, diria que desde pequeninos que gostavam de ser inspetores da PJ.” José Leal Diretor da UIC da PJ
com os inspetores com quem trabalha: “O medo só é negativo se tomar conta de nós. Senão, põe-nos alerta.”
Os dois inspetores concorreram à PJ sem grandes romantismos. “Naquela altura, a única coisa parecida com a PJ que havia na televisão era o Zé Gato. Hoje já há os CSI e os miúdos todos, quando vêm para aí, já pensam mais nisso”, explica. Miguel Gonçalves concorreu à PJ “por uma situação que surgiu”. “Um colega que estava na tropa não concorreu porque não tinha carta de condução, que é exigida. Eu tinha carta de condução e vim ver. Não sabia, ouvia falar da PJ e decidi concorrer... E em boa altura o fiz”, orgulha-se.
O inspetor Fernando Santos entrou para a Judiciária aos 29 anos. “Não lhe vou dizer que gostava de fazer isto desde pequenino. Foi uma circunstância e já tenho 25 anos de PJ.”
José Leal, o diretor, enfatiza: “Tendo em conta o empenho que eles têm, conhecendo-os bem, diria que desde pequeninos que gostavam de ser inspetores da PJ.”