ETA apareceu tarde na campanha que pode dar vitória à esquerda independentista basca
O Bildu, com raízes na ala política do desmantelado grupo terrorista, pode vencer as eleições regionais pela primeira vez. Ainda assim, o Partido Nacionalista Basco deverá poder repetir a coligação com os socialistas e governar.
Os bascos vão hoje às urnas e, pela primeira vez, o Partido Nacionalista Basco (PNV ) pode perder as eleições regionais para a esquerda independentista do EH Bildu. Mas isso não significa que esta formação com raízes que vão dar à ETA vá governar o País Basco, com o PNV e os socialistas dispostos a reeditar a atual coligação de governo, apesar de a nível nacional o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, também depender do Bildu – o que poderá trazer-lhe problemas. Seja como for, uma eventual vitória do Bildu representará uma mudança de ciclo.
Mais de uma década depois do fim da luta armada da ETA, o terrorismo está longe de ser o foco das preocupações dos eleitores – 12% dos quais chegaram à idade em que podem votar já depois de 2011. E só as declarações polémicas do candidato do Bildu trouxeram o tema para a campanha, não sendo claro o impacto que isso terá na hora de contar os votos. O nível de participação e a mobilização dos indecisos será fundamental.
Quase 1,8 milhões de bascos escolhem hoje entre 14 partidos, mas o foco tem sido nos dois principais, que apostam em rostos novos. O PNV, que nos últimos 45 anos só não governou entre 2009 e 2012, optou por não apostar na reeleição do atual lehendakari (o líder do Executivo basco), Iñigo Urkullu, no poder desde dezembro de 2012. O escolhido para liderar a candidatura foi Imanol Pradales, que hoje faz 49 anos e tem um perfil muito parecido com Urkullu.
À esquerda, a aposta foi também na renovação, com o líder do Bildu, Arnaldo Otegi, antigo membro da ETA e da Batasuna, o seu ilegalizado braço político, a decidir não ser candidato. A escolha da aliança de partidos da esquerda abertzale foi para Pello Otxandiano, um representante da nova geração sem ligações à ETA. Um político de 41 anos capaz de falar para o eleitorado mais jovem, parte do qual já cresceu sem a ameaça do grupo terrorista e está mais preocupado com os temas sociais, como saúde, habitação ou emprego.
As sondagens apontam para uma eleição renhida entre estas duas formações políticas, sendo que nas últimas pesquisas o Bildu surge à frente. Segundo a sondagem da RTVE, elegeria 29 representantes para o Parlamento basco (mais oito do que atualmente), conquistando mais um do que os nacionalistas (que perderiam três em relação a agora). Isto apesar de o PNV surgir com maior percentagem de votos – 34,6%, em empate técnico com o Bildu, com 34,1%.
Alcançar uma maioria de 38 deputados ficaria dependente de outros partidos, com os socialistas a poder ser novamente a chave. As sondagens colocam-nos em terceiro, com 13,3% dos votos e 10 deputados (os mesmos que têm agora). A repetição da coligação com o PNV que existe desde 2016 daria a maioria absoluta, mesmo que esta não seja necessária (para eleger o lehendakari basta, à segunda votação, uma maioria simples).
O PP seria a quarta força no Parlamento basco, com 8,3% e sete deputados (mais um do que elegeu em 2020, quando ia coligado com o quase defunto Ciudadanos). A novidade seria a estreia do Sumar (sócio de Sánchez a nível nacional) com um deputado, diante do Podemos, que pode perder todos os seis que tinha. Também a extrema-direita do Vox pode perder o único representante na região.
As polémicas com a ETA
A ETA marcou a campanha para as eleições gerais e municipais de maio, após a denúncia de que as listas do Bildu incluíam 44 condenados por pertencer ou colaborar com o grupo terrorista basco. Mas na campanha para as regionais o tema estava quase ausente, tendo sido argumento apenas do Vox.
A ausência do tema não era de estranhar, já que 13 anos após o fim da ETA o terrorismo ocupa o 39.º lugar nas preocupações dos eleitores bascos. Segundo o barómetro do Centro de Investigações Sociológicas de 1 de abril, a maior preocupação dos bascos é o sistema de saúde, seguindo-se o desemprego.
Apesar do desinteresse basco, o tema acabou por irromper em força a menos de uma semana da ida às urnas, quando Otxandiano recusou qualificar a ETA de “terrorista” numa entrevista à Cadena Ser. Falou apenas num “grupo armado” e disse que fazia parte de um “ciclo político”.
O caso ganhou dimensão nacional, com o governo espanhol – que depende do apoio parlamentar do Bildu – a denunciar o “negacionismo” e a falar de “cobardia”. O Partido Popular aproveitou a deixa: “Cobardia é apoiar-se nos seus votos.” O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, insistiu na quinta-feira que é preciso “chamar as coisas pelos nomes” e disse que “a ETA foi um grupo terrorista”. Recusou, contudo, alterar a relação com os cinco deputados do Bildu no Congresso espanhol, necessários para conseguir uma maioria.
Diante da contestação, e questionado de novo sobre o tema, Otxandiano pediu desculpas às vítimas por “ferir a sua sensibilidade”, mas insistiu em não condenar a ETA. Admitiu que um dos setores políticos “que hoje pertence ao Bildu foi um agente de dor no passado”, mas explicou que “depois foi parte da solução e que hoje está à disposição para ser agente da reconciliação”.
O próprio Bildu, por seu lado, limitou-se a dizer que “felizmente a ETA já não existe” e que esse tema não deve fazer parte da campanha, alegando que só surge em períodos eleitorais para “turvar” o debate, quando este deve decorrer com “calma e tranquilidade”. Os eleitores bascos dirão nas urnas se o tema ainda é importante ou não.