Diário de Notícias

Carlos Aguirre “Papadzul é um exemplo de comida do Iucatão que herdámos dos maias”

Esteve em Portugal um grupo de chefs mexicanos, numa iniciativa apoiada pela embaixada. Depois de um almoço luso-mexicano na Escola Profission­al de Hotelaria e Turismo de Lisboa, o DN tentou perceber em conversa com Carlos Aguirre, presidente da Federação

- TEXTO LEONÍDIO PAULO FERREIRA FOTOS PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

É a herança maia que faz o Iucatão especial na gastronomi­a mexicana, das mais afamadas do mundo?

Sim. No México temos várias culturas mães e entre elas a que tem mais extensão territoria­l é a maia. É uma das mais importante­s também na América Central. E é uma cultura que tem muitos conhecimen­tos ancestrais de matemática, astronomia e também um vasto conhecimen­to da natureza. Dentro desse conhecimen­to da natureza desenvolve­u-se a alimentaçã­o muito caracterís­tica que hoje temos e que se distingue de outras no México.

E se tivéssemos que identifica­r um prato de origem maia e que continua a ser popular, qual seria? Papadzul. É uma tortilha de milho com ovo cozido que leva molho de sementes de abóbora, uma comida herdada dos maias. A gastronomi­a iucateca tem três etapas: a cozinha pré-hispânica, que os maias faziam, a cozinha tradiciona­l, que vem com a colonizaçã­o europeia, e a cozinha contemporâ­nea, que respeita os cânones das cozinhas maia e tradiciona­l mas integra novas técnicas e ingredient­es.

Um dos pratos que confeciona­ram na Escola Profission­al de Hotelaria e Turismo de Lisboa foi o peixe

tikinxic. Pertence à nova cozinha? Não, pertence à cozinha tradiciona­l. A nova cozinha é a proposta dos chefs, que podem elaborar um prato de tikinxic, mas que visualment­e não é um prato de tikinxic. Pode ser uma esferifica­ção do peixe com um aroma de achiote. E quando integram tudo temos uma cozinha contemporâ­nea, uma evolução. É uma cozinha moderna, mais visual, mas os sabores estão lá.

Explique, por favor, este peixe

tikinxic feito da forma tradiciona­l? O peixe tikinxic é uma variante da cozinha pibil, que integra o achiote, a semente de achiote, uma especiaria que dá a base para a pasta vermelha que usamos para marinar o peixe, mas que se faz mais tradiciona­lmente com porco. No final, pode ser feito no forno ou grelhado. Mas o sabor intenso da pasta vermelha no momento da prova é o que permite ter essa explosivid­ade na língua de todos os ingredient­es que pertencem ao “recado”, que é a pasta.

Com porco, sim, é uma parte fundamenta­l da cozinha iucateca.

Também é importante a laranja-brava, uma combinação entre laranja e limão que é muito ácida e usada para marinar a carne. E depois há os condimento­s, mistura de ingredient­es que fazem uma pasta a que chamamos “recado”. E temos três “recados”: o branco, o negro e o vermelho. São pastas que permitem marinar e condimenta­r a comida.

Canela, anis, pimenta. A maior contribuiç­ão da cozinha espanhola para a iucateca são os condimento­s, porque, embora seja verdade que não os trouxeram da Europa, trouxeram-nos para a América. A cozinha iucateca passou a ter influência de muitas latitudes. A espanhola é a predominan­te, mas temos a árabe, a oriental e até a holandesa, com o queijo Edam que se usa na cozinha iucateca.

Sim, claro. Temos no país várias cozinhas famosas. Temos a cozinha oaxaquenha e a cozinha iucateca como as duas mais fortes, mais importante­s. Mas cada Estado, cada região do nosso país, tem a sua própria cozinha.

Não. Geralmente, os restaurant­es que estão fora do país adaptam-se aos sabores e gostos próprios de cada país. Tropicaliz­a-se, como se diz. Não provei a cozinha mexicana dos restaurant­es portuguese­s, mas quero imaginar que os nachos ou os tacos que servem aqui são uma variante do que poderia ser a cozinha mexicana, até mesmo chegando à Tex-Mex.

Sei que há um restaurant­e em Portugal que está a pensar incorporar cozinha mexicana e cozinha especifica­mente iucateca. É importante ver o que funciona. Por exemplo, um prato de peixe que fizemos aqui, o pão de cação, pode funcionar bem, porque o português está habituado ao sabor desse peixe. Talvez um prato como o papadzul também, poderá ser que gostem.

No México bebe-se cerveja, muita. Aqui devem conhecer a Corona, a marca que mais se exporta. Mas tradiciona­lmente a comida iucateca consome-se com águas frescas, com água de chaya, por exemplo, que é uma folha silvestre, uma espécie de infusão. Também se consome água de hibiscus e horchata. Jáagora,umamargari­tanãoétípi­ca doIucatão?

Do Iucatão não, mas do México. A margarita foi criada em Tijuana, tal como os nachos. A salada César, que todos conhecemos, foi feita no México, igualmente em Tijuana. Então,muitasdasc­oisasqueas­sociamosao­Méxicosãod­eTijuana? Não todas, mas sim essas que dou como exemplo, na medida em que Tijuana está numa península no Norte e o Iucatão está no outro extremo, no Sul. Então, de uma à outra temos diversas gastronomi­as. Agora há uma criação do Iucatão muito popular, a marquesita , que é como um crepe e tem recheio de queijo. Toda a gente que viaja para o Iucatão, porque aí se criou este doce, faz longas filas para comer uma marquesita. É 100% do Iucatão, assim como os bolinhos que comeram aqui de queijo-creme.

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O que se bebe tradiciona­lmente a acompanhar­acomidaiuc­ateca?
Equipa de chefs mexicanos. Carlos Aguirre é o segundo a contar da esquerda. Também na foto estão Yoselin Rojas, José Luís Alcocer, Sergio Fiscal, Frank Sosa e Carlos Mané. Seformosaq­uiemLisboa­aumrestaur­antemexica­noepedirmo­stacosenac­hos,nadaéiucat­eca? Umrestaura­ntedeautên­ticacozinh­aiucatecan­ão seráprováv­elencontra­rforadoMéx­ico? O que se bebe tradiciona­lmente a acompanhar­acomidaiuc­ateca?
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O chef José Luis Alcocer dá a provar sementes de achiote ao embaixador do México, Bruno Figueroa, e à embaixatri­z Veronica González Laporte. Também na foto estão Alexandre Pais, diretor do Museu Nacional do Azulejo, e Pedro Bernardo, diretor da Escola Profission­al de Hotelaria e Turismo de Lisboa, que acolheu o almoço de gastronomi­a iucateca.
Então, a forma mais tradiciona­l deste prato é com porco.
Além do porco, introduzid­o no século XVI, qual é a influência maior dos espanhóis na cozinha iucateca?
A cozinha iucateca distingue-se da cozinha do resto do México?
GASTRONOMI­A O chef José Luis Alcocer dá a provar sementes de achiote ao embaixador do México, Bruno Figueroa, e à embaixatri­z Veronica González Laporte. Também na foto estão Alexandre Pais, diretor do Museu Nacional do Azulejo, e Pedro Bernardo, diretor da Escola Profission­al de Hotelaria e Turismo de Lisboa, que acolheu o almoço de gastronomi­a iucateca. Então, a forma mais tradiciona­l deste prato é com porco. Além do porco, introduzid­o no século XVI, qual é a influência maior dos espanhóis na cozinha iucateca? A cozinha iucateca distingue-se da cozinha do resto do México?

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