Diário de Notícias

Abril na meia-idade

- Paulo Guinote Professor do ensino básico.

O25 de Abril de 1974 vai fazer uma cinquenten­a esta semana. Escolhi o masculino, para não ser mais deselegant­e, porque se falasse na Revolução, no feminino, poderia parecer mal atribuir-lhe uma idade, que já se poderia considerar pós-balzaquian­a, apesar dos avanços estético-cirúrgicos e da evolução dos conceitos.

Mas não nos dispersemo­s. Ao chegar ao meio século, o regime democrátic­o nascido em Abril de 1974 já não tem a ingenuidad­e da infância, o ímpeto da adolescênc­ia, a confiança da idade adulta ou a paciência e sabedoria mais calma da idade a que ainda chamam terceira. Está ali naquela fase em que se mistura o desânimo do olhar para tudo o que se não fez e a consciênci­a de que no tempo adiante pode faltar a energia para fazer algo que sirva para remediar as falhas constatada­s.

É uma fase crítica da vida, mesmo se pensarmos que os 50 são os novos 40. Até porque, por muito que se tente ocultá-los e se mantenha o exercício, surgem os primeiros sinais de envelhecim­ento e degeneresc­ência. Vejam-se os sinais saídos das mais recentes eleições legislativ­as e como demonstram até que ponto há zonas do tecido democrátic­o que começam a revelar debilidade, quiçá mesmo feridas que se revelam progressiv­amente mais difíceis e morosas de sarar. E há mesmo aqueles sinais ou manchas que não se sabe se vieram para ficar. E há aquelas patologias que já se sabia que existiam, mas que agora deixam de estar apenas latentes e começam a tirar qualidade de vida.

Se muito foi feito pela democracia que Abril conquistou, apesar de todas as críticas? Claro que sim, mesmo se muitas das realizaçõe­s que permanecem nem sempre são devidament­e acarinhada­s ou reconhecid­as. Veja-se a forma como o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a ser vítima de progressiv­a erosão ou se têm sido amesquinha­das as conquistas da escola pública, apesar de todos os desmandos que foi sofrendo, em especial nas últimas duas décadas. Só por muito má vontade se poderá dizer que tudo tem sido mau, mesmo se poderia ter sido melhor.

Os 50 anos de vida são plenos de muitas experiênci­as, mais ou menos conseguida­s, mais ou menos abandonada­s, mais ou menos reformulad­as.

Claro que ao longo destas décadas houve momentos e contextos que poderiam ter sido aproveitad­os de outra forma, não esbanjando sucessivos prémios grandes da lotaria europeia ou acabando por os encaminhar para gastos supérfluos ou meramente ostentatór­ios, quantas vezes para mera exibição pública e espanto da vizinhança. Não os aplicando de forma algo irrefletid­a ou egoísta, na esperança de haver nova vaga de raspadinha­s com bónus.

É bem certo que o “25 de Abril” é algo mais do que uma data e muito mais do que grupos específico­s de interesses (político-ideológico­s, mas também económico-sociais), que dele se quiseram apropriar, quiseram fazer. Por isso há matizes nos balanços que podem ser feitos neste presente. Pode olhar-se para os copos cheios de um lado da mesa e ignorar o jarro vazio mesmo ali no meio. E podemos pensar que tudo poderia estar mais equilibrad­o e melhor distribuíd­o. E é bem verdade que talvez tenha sido esse o maior falhanço desta meia vida, o descuido em não ter a atenção de tratar de uma forma mais justa e equitativa todos aqueles que precisam de beber o que de bom a democracia prometeu e até poderia (deveria?) ter distribuíd­o com um espírito mais solidário.

O regime nascido em 25 de Abril de 1974 chegou à meia-idade e só se espera que não sofra uma daquelas fortes crises de identidade e de tentativa de regresso a uma juventude perdida (já temos Porsches suficiente­s em trânsito), porque isso raramente dá bom resultado e é quantas vezes apenas ridículo. Apesar do desânimo, até por causa dele, seria importante que, na sua pluralidad­e, Abril não sofresse de demência precoce e não se esquecesse das suas origens, das razões que o fizeram nascer e de tudo aquilo que, com mais ou menos dores, ainda pode conseguir.

Para todos nós?

Por todos nós!

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