Os meus factos são melhores que os teus...
Sem factos não temos Ciência, nem História, nem base sobre a qual construir políticas públicas.”
Regressei recentemente à Universidade e ao ensino e fui sendo avisado, por pessoas que conheço e que partilham da mesma arte, que muitas coisas tinham mudado desde a última vez que tive o gosto de estar numa sala de aulas cheia de estudantes. De vários, o aviso mais repetido é o impacto das redes sociais na divulgação de “factos alternativos” ou, por outras palavras, de mentiras.
“Toda a gente tem direito à sua própria opinião, mas não têm direito as seus próprios factos”, disse em 1983 Daniel Patrick Moynihan, que entre 1969 e 2001 foi conselheiro de quatro presidentes americanos, embaixador dos Estados Unidos na Índia e senador. Podemos (e acontece constantemente) discordar sobre as causas, os impactos e as consequências de determinados factos. Podemos até concordar que a informação que temos sobre determinado facto é incompleta. Mas não devemos inventar “factos” para justificar o que dizemos ou pensamos.
E, no entanto, somos todos os dias bombardeados com estatísticas erradas, relações causa-efeito inexistentes, leituras da realidade que pouco têm a ver com o que aconteceu. E quem tem a sanidade (e temeridade) de aceitar criticamente os factos pelos factos, é olhado com benevolência ou até com desprezo: “Ah! Tu acreditas nisso... pois... mas olha que não é assim!” seguindo-se uma teoria da conspiração sobre a Terra ser plana, a Humanidade nunca ter chegado à lua ou outras fantasias quaisquer, acompanhada sempre por avisos graves em relação aos misteriosos e sempre poderosos “eles” que não querem que saibamos a “verdade”.
Se as mentiras e as teorias da conspiração se limitassem a coisas ridículas ou inconsequentes até nos poderíamos divertir. Quando alguém nos tentasse convencer de que uma nave espacial tripulada não chegou, nem partiu da Lua em 1969, poderíamos abrir os olhos de espanto e dizer com ar misterioso “vejo que acreditas na Lua...”. Mas, infelizmente, as mentiras que passam por serem verdades não se limitam a serem anedotas.
Sem factos não temos Ciência, nem História, nem base sobre a qual construir políticas públicas.
E os resultados podem ser gravíssimos. Quem negou a pandemia poderá ter contribuído para espalhar o vírus. Quem recusa os planos de vacinação poderá ajudar ao surgimento de doenças que prejudiquem outras pessoas. Quem inventa estatística e correlações entre imigrantes e violência alimenta descriminações e racismo. Quem nega as alterações climáticas contribui para a destruição do equilíbrio do ecossistema que permite a vida na Terra.
Dirão alguns: como é que sabemos que a Ciência que conhecemos é real? A resposta é simples: a Ciência, feita com método, repetição, escrutínio e transparência, traduz o melhor do nosso conhecimento sobre os factos. E a Ciência, que não está preocupada com as teorias da conspiração, por ser Ciência, testa hipóteses, não se acomoda e está sempre em evolução. Sem factos e sem a Ciência que os explica, não temos a base que nos permite ter uma conversa sensata e ponderada sobre as opções que estão sobre a mesa. E sem essa conversa nacional, não temos mecanismos para dar resposta aos problemas que nos afetam e afligem coletivamente e não temos bases para as decisões legítimas em que construímos as nossas democracias.
Na semana em que celebramos 50 anos de liberdade e democracia muito ganharíamos se conseguíssemos concordar que os factos são, de facto, factos. E o resto são teorias, não-científicas, mas de conspirações.