“Quero construir uma carreira e viver”: a visão de jovens migrantes
Nos 50 anos do 25 de Abril, o DN ouviu jovens de várias idades e nacionalidades sobre como veem Portugal hoje e como esperam que o país seja daqui a cinco décadas. Alguns desejos são unânimes.
P “ortugal é um país de oportunidades, é um país muito bom e bonito, onde as pessoas ajudam.” É assim que Adnan Mostafa Uddin, 21 anos, define o país que escolheu para morar e onde pretende “construir uma carreira e viver”. O jovem, que veio de Bangladesh, une-se aos outros milhares que decidiram viver em Portugal. São estudantes universitários, trabalhadores de diversas áreas em busca de uma vida melhor, outros vindos com a família: em comum, têm o facto de viverem numa terra onde não nasceram, mas com o desejo de prosperar.
Nestes 50 anos de democracia em Portugal, o DN olha para o futuro. As lentes escolhidas foram as de jovens que cá vivem, de brasileiros a hindustânicos. O objetivo é ter uma perspetiva de como veem o país hoje e como querem que seja no 25 de Abril de 2074, quando a democracia irá completar um século.
Adnan é imigrante desde cedo: nasceu no Qatar e, com apenas 1 ano de vida, foi viver no Bangladesh com a família. Há pouco menos de dois anos mudou-se novamente, desta vez para ter uma carreira. Foi Portugal que escolheu, país onde tem familiares que já fizeram o mesmo caminho e estão com uma vida estável. Conta também com o apoio da Associação Bangladesh do Barreiro, onde vive, trabalha e tem amigos.
Apesar de morar em Portugal há relativamente pouco tempo – menos de dois anos –, não são poucas as histórias que já ouviu de jovens portugueses e imigrantes que decidiram partir para outras terras. “O país seria melhor para os jovens se o salário-base fosse um pouco maior, porque o custo de vida em Portugal não é muito barato. É preciso fazer algo para manter os jovens, porque os jovens são o futuro de um país”, resume. A opinião do bengali é compartilhada pela maioria dos entrevistados para este artigo.
Ordenados mais altos, casas com preços acessíveis e compatíveis com o salário estão no top dos desejos para os próximos 50 anos – opinião que pode ser mais semelhante do que se pensa, ao comparar com os jovens nascidos em Portugal, que passam pelos mesmos problemas. A diferença é que os imigrantes podem enfrentar situações adicionais, especialmente no que diz respeito à integração e dificuldades com a documentação.
Adnan repete que adora Portugal, que considera um país com “boas leis”, mas deixa claro a mudança que quer: na burocracia e na lentidão do sistema público.
Melhores serviços aos cidadãos
Quem concorda com a opinião é a brasileira Caroline Napolitano. Não é jovem, tem 42 anos, mas olha para o futuro ao escolher Portugal como o país para criar as duas filhas pequenas. Saiu de São Paulo há seis anos com a família em busca de uma vida tranquila e com mais segurança. Em Braga alcançaram esse objetivo, onde as filhas estudam, brincam livremente e com segurança.
Confessa gostar da vida no país, mas a burocracia atrapalha. “Até hoje passamos por constrangimentos. Os processos nos serviços públicos são burocráticos e demorados e acabam por deixar os imigrantes em condições insalubres de sobrevivência”, relata a designer.
Para Caroline, Portugal é um país com “imensas oportunidades de crescimento”. O problema, na sua opinião, é que ainda não está preparado para receber os imigrantes. “Isso faz com que todos sofram, não só os imigrantes, mas toda a população portuguesa”, afirma.
A profissional também olha com atenção para os casos de xenofobia e racismo em Portugal e no mundo, algo que julga merecer atenção das autoridades. “Todo esse movimento conservador pauta-se na ‘moral da boa família e de Deus’, mas para mim, essas lideranças estão interessadas apenas no jogo de poder e dinheiro. Eles aproveitam-se da falta de conhecimento da população para disseminar informações falsas, xenofóbicas e racistas”, reflete.
Sobre isso, a imigrante defende a liberdade de cada um, sem invadir a liberdade do outro. “Quero que minhas filhas cresçam sabendo dos seus valores e potenciais, que vivam sem precisarem se preocupar com o tamanho de suas saias e que possam ser o que quiserem, sem julgamentos”, frisa.
Para os próximos 50 anos, a brasileira preocupa-se com o futuro especialmente por causa das duas filhas e é esperançosa. “Acredito que os direitos à Saúde e Educação de qualidade devem evoluir. Pagamos altos impostos para que os profissionais dessas áreas não sejam valorizados como deveriam e isso reflete no que vemos hoje, população sem médico de família, urgências mais demoradas, escolas sem professores e miúdos cada vez mais pressionados com estudo autónomo para suprir a ausência de aulas de qualidade”, explica.
Como imigrante, destaca novamente ser “urgente” a necessidade de melhorar os serviços públicos. “Espero que seja um país mais preparado tecnologicamente, menos burocrático, com saúde de qualidade, que valorize os profissionais da educação e respeite as diferenças linguísticas e que aproveite o conhecimento e mão-de-obra do imigrante de uma forma saudável e sem preconceitos”, resume.
Emprego e estabilidade
Yannick Lemos, 22 anos, saiu de Moçambique para frequentar a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. O estudante relata que a escolha de Portugal não se deu somente pela formação profissional. “Representa uma oportunidade de crescimento pessoal. Viver num país estrangeiro abre portas para novas perspetivas e experiências, desafiando-me a sair da minha zona de conforto e a desenvolver habilidades essenciais como a resiliência e a adaptabilidade”, explica o estudante e também vice-presidente da Associação dos Estudantes Moçambicanos no Porto.
Enquanto país para os jovens viverem, o académico vê Portugal com bons olhos. “Proporciona acesso a uma Educação Superior de qualidade em instituições renomadas, o que é fundamental para o desenvolvimento académico e profissional dos jovens. Além disso, o ambiente cultural e social em Portugal é enriquecedor, proporcionando oportunidades para realizar conexões significativas e cres
“É muito importante manter a história viva para que a população se lembre sempre para onde não podemos voltar. Precisamos uns dos outros para evoluir, não podemos andar sozinhos”. Caroline Napolitano Designer, moradora em Braga.
cer em um ambiente seguro”, avalia. Ao mesmo tempo, Yannick diz que o mercado de trabalho “pode ser competitivo, com altas taxas de desemprego entre os jovens, especialmente em determinados setores”. Por isso, o moçambicano considera essencial que, no futuro, seja resolvido o problema. “A falta de oportunidades estáveis e bem remuneradas pode representar um obstáculo para os jovens que buscam independência financeira e estabilidade profissional”, alerta.
Mesmo assim, o moçambicano diz estar otimista em relação aos próximos 50 anos de democracia. “Portugal tem feito esforços para melhorar as condições para os jovens, com políticas voltadas para o emprego juvenil e apoio ao empreendedorismo”, destaca.
Yannick conta como idealiza o país nas décadas seguintes. “Visualizo Portugal daqui a 50 anos como um país que ascendeu consideravelmente no contexto internacional, ganhando maior relevância e influência global. Imagino Portugal como uma nação que alcançou um equilíbrio entre tradição e modernidade. Visualizo um país que se destaca globalmente pela sua inovação e excelência em diversos setores”, argumenta.
Outra área que o imigrante vê com necessidade de avançar está relacionada com os direitos igualitários no futuro. O jovem reconhece a existência de racismo e xenofobia em Portugal, “assim como em grande parte do mundo”. Porém, neste ponto, também é um otimista.
“Tenho notado uma mudança gradual nesse cenário. Cada vez mais, as pessoas estão a se acostumar com a diversidade étnica e cultural, o que tem levado a uma maior aceitação. Hoje em dia é mais comum ver estrangeiros e pessoas de diferentes etnias a trabalhar em grandes companhias, refletindo uma mudança positiva na mentalidade das corporações e da sociedade em geral”, complementa. No futuro, espera que na sociedade portuguesa “todos os cidadãos têm acesso igualitário a oportunidades de Educação, Saúde e emprego, promovendo uma coesão social mais forte”.
Casas que as pessoas possam pagar
“Gosto das praias, gosto das pessoas, gosto dos clientes portugueses que ficam felizes com os nossos doces e samosas [chamuças].” Esta é a definição do indiano Rahul Gupta, de 28 anos, sobre o que mais gosta da sua vida em Portugal, país que escolheu para viver e espera construir uma família. De olhos no futuro, diz que pretende continuar cá, mas com esperança de melhores oportunidades de emprego e casas mais baratas.
Assim como é a realidade de muitos portugueses e imigrantes, Rahul partilha casa com outras pessoas e enfrenta um longo trajeto diário nos transportes públicos da casa até o trabalho. Sai de Monte Abraão, em Sintra, até a Avenida Almirante Reis, onde trabalha numa loja de produtos alimentícios. Orgulhosamente, fala empolgado do empreendimento em que trabalha, relata que é próspero, com uma filial em outra zona da cidade e bons clientes. Acredita que ter sempre trabalho é o mais importante viver no país, onde quer ter mais amigos portugueses e aprender o idioma.
Na avenida onde trabalha, são encontradas pessoas das mais variadas nacionalidades: chineses que cá vivem há décadas, indianos, nepaleses e bengalis – estes últimos passaram a ver Portugal como um destino de ouro mais recentemente. São muitos jovens como Rahul, a trabalhar em ocupações diversas, desde a restauração até barbearias e salões de beleza. Nem sempre é fácil fazer com que conversem com a imprensa – há o foco no trabalho em plena tarde de serviço e a timidez em aparecer no jornal, mas são unânimes ao afirmarem que gostam do país –, mas que o custo de vida poderia ser menor por conta do ordenado. O novo Programa do Governo tem como meta o ordenado mínimo de 1000 euros e o ordenado médio nos 1750 euros.
A jovem Ritu, do Nepal, trabalha como funcionária de uma salão de beleza, na Almirante Reis, onde faz um pouco de tudo: design de sobrancelhas, unhas, cabelo. Aliás, possui algumas madeixas verdes, em contraste com o cabelo de cor
“No Bangladesh não estudamos sobre o 25 de Abril, mas sei um pouco sobre a data, o dia que Portugal iniciou a sua revolução. É uma data importante para o país”. Adnan Mostafa Uddin Empregado de loja.
“Ao continuar a fortalecer o que já funciona e abordar os desafios que ainda persistem, acredito que Portugal pode continuar a alcançar feitos notáveis”.
Yannick Lemos
Vice-Presidente da Associação dos Estudantes Moçambicanos no Porto
escura naturalmente. O salão atende pessoas de várias nacionalidades, principalmente mulheres asiáticas. Nas paredes, estão fotos do Nepal, uma maneira de lembrar as origens.
Em Portugal há dois anos, Ritu diz que gosta do país, especialmente do clima e do trabalho que cá desempenha. Para o futuro, diz que não sabe o que vai acontecer, mas deseja que a situação económica do país seja ainda melhor para todos, não somente para os imigrantes.
Integração e professores
O brasileiro Luis Felipe Fialho Viana, de 19 anos, tem um pensamento idêntico ao da nepalesa Ritu. “Espero e imagino que daqui a 50 anos Portugal será muito mais desenvolvido e com uma ainda melhor qualidade de vida para todos presentes, não importa se forem imigrantes ou residentes nacionais”, reflete.
O barman mudou de país com a família. O pai foi aprovado em um concurso público em Portugal – oportunidade que também viu como uma maneira de “dar uma melhor qualidade de vida” para Luis Felipe e a irmã, que também mora em Lisboa. Ele elogia a qualidade dos estudos nas escolas e universidades portuguesas.
Nas próximas cinco décadas, o jovem brasileiro considera importante que haja uma maior integração, principalmente entre as diferentes gerações e nacionalidades que convivem no país. “O que precisa mudar é a visão e mentalidade dos mais velhos relativamente à nova geração e principalmente aos imigrantes”, defende. O barman considera Portugal um bom país para os jovens, mas que poderia ser melhor caso não houvesse o “julgamento dos mais velhos”.
Outra preocupação de Luís – e também um desejo para o futuro – é o investimento em educação e formação de professores. “É importante ter mais investimento nas áreas de estudos, principalmente na profissão de professores, para termos mais profissionais em suas áreas”, explica.