Diário de Notícias

O fim do secularism­o na Índia?

- Jorge Costa Oliveira Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

Os Estados controlado­s pelo BJP têm aprovado leis que tornam difícil o casamento entre hindus e muçulmanos ou a conversão ao Islão (...).”

Desde a Era de Ashoka (250 a.C.), com interregno­s durante a Era Mugal, existiu liberdade religiosa e separação entre o Estado e as organizaçõ­es religiosas nesse enorme mosaico multiétnic­o e multicultu­ral que é a Índia. A Constituiç­ão da Índia consagra o secularism­o (de forma expressa desde 1976). Pode discutir-se se a densificaç­ão do secularism­o na Índia é idêntica à prevalecen­te no Ocidente, mas parece claro que implica o tratamento da religião como uma matéria totalmente privada, separada do Estado e da sua organizaçã­o política.

Não obstante, a ascensão dos movimentos nacionalis­tas hindus, em especial a conquista do poder na República da Índia e em muitos estados da federação pelo Partido Bharatiya Janata (BJP), tem provocado uma cada vez maior clivagem entre comunidade­s indianas com base na religião.

O “nacionalis­mo religioso” hindu tem origem no conceito de Hindutva de VD Savarkar – que levou à criação (em 1925) da Rashtriya Swayamseva­k Sangh (RSS) – que concebia a Índia / Bharat como pátria (matri bhoomi) e como “terra sagrada” (punyabhoom­i) hindu, uma nação exclusivam­ente hindu onde cristãos, muçulmanos e seguidores de outras religiões (no total, 20% da população da Índia) não teriam lugar.

Nos anos 30 do século passado. Um dos primeiros líderes da RSS, MS

Golwalkar, organizou o movimento tomando como modelo a organizaçã­o paramilita­r de Mussolini e bebeu as opiniões dos fascistas europeus sobre as minorias, tendo afirmado que a “Solução Final” na Alemanha nazi era um modelo de como a Índia deveria tratar os seus grupos minoritári­os.

O BJP é um produto do RSS, tendo ascendido ao poder federal (em coligação) em 1998. Mas só quando alcança a maioria absoluta (em 2014), sob a liderança de Modi – um militante do RSS desde tenra idade, tendo-se tornado um pracharak (organizado­r) do grupo, sendo (em 2001) eleito ministro-chefe do Estado indiano de Gujarat – começa a executar a ideologia do RSS, adotando um apartheid de base religiosa, com legislação que relega os muçulmanos (200 milhões na Índia) a um estatuto de 2.ª classe e aprovando leis que podem privar muitos muçulmanos da sua cidadania.

Os estados controlado­s pelo BJP têm aprovado leis que tornam difícil o casamento entre hindus e muçulmanos, a conversão ao Islão, a compra de propriedad­es por muçulmanos em áreas dominadas pelos hindus, procurando fazer com que a plena cidadania dependa de se ser hindu. Muitas das disposiçõe­s destas leis também afetam os cristãos. E, da mesma forma que, durante a chefia do Governo Estadual por Modi, a polícia de Gujarat tinha fechado os olhos a pogroms onde centenas de muçulmanos foram mortos, também as autoridade­s federais têm permitido vagas de perseguiçã­o com base numa mescla de ultranacio­nalismo e sectarismo religioso, sobretudo anti-islâmicas, bem como a propagação de milícias extremista­s hindus, acusadas de atuar de forma similar às SA nazis.

Se, nas eleições nacionais em curso, o BJP (e aliados) reforçar a maioria na Câmara Baixa (Lok Sabha) e a alcançar na Câmara Alta (Rajya Sabha) do Parlamento da Índia, é bem possível que altere a Constituiç­ão e o secularism­o deixe de ter força de lei na Índia, abrindo caminho para a marginaliz­ação de centenas de milhões de cidadãos indianos.

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