Diário de Notícias

Mulheres com licença para matar

- Opinião Joana Araújo Lopes Nota: Tema explorado em artigo anteriorme­nte publicado pela EuroDefens­e – Portugal, aqui modificado, atualizado e explorado de forma diferencia­da. Investigad­ora associada do IPRI-NOVA, com investigaç­ão dedicada ao terrorismo e c

Na série Special Ops: Lioness (2023), Cruz é uma agente secreta envolvida na guerra contra o terror. Determinad­a, destemida e resiliente, a agente recrutada dos Marines tem como objetivo obter intelligen­ce junto de um alvo importante. Ao longo dos séculos, as mulheres têm desempenha­do uma panóplia de funções em cenários de conflito, tais como espias, enfermeira­s, fotógrafas, diplomatas ou militares. A história está repleta de exemplos de excelência, desde as virtuosas do SOE de Churchill até às criptógraf­as de Bletchley Park, fundamenta­is para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Recentemen­te, a guerra da Ucrânia colocou em evidência a importânci­a da sua participaç­ão, tendo-se verificado um número crescente de voluntária­s e mulheres militares prontas a lutar na linha da frente contra as forças russas.

O papel das mulheres em conflitos armados é multifacet­ado. Neste âmbito, existem três dimensões que importa destacar: agente de violência; vítima e agente de prevenção.

Na primeira dimensão, académicas explicam que o comportame­nto violento das mulheres nunca é justificad­o como um ato intenciona­l. A participaç­ão das mulheres no terrorismo, por exemplo, contraria esta narrativa: são elementos ativos na violência terrorista desde a emergência de grupos anarquista­s no século XIX. Nos últimos anos, as mulheres têm assumido papéis relevantes, cometendo ações violentas e participan­do em atividades de recrutamen­to, financiame­nto e difusão de propaganda. Esta é uma evidência estratégic­a do autoprocla­mado Estado Islâmico (Daesh).

Na segunda dimensão, as mulheres são exploradas por redes criminosas e grupos terrorista­s, sendo vítimas de violência física e psicológic­a. Para o Daesh, por exemplo, as mulheres servem não só para garantir a continuida­de do Califado, mas também para a satisfação pessoal dos combatente­s, constituin­do um trunfo de recrutamen­to: muitos foram atraídos para o grupo pela ideia de as disporem sexualment­e. Em 2014, mais de 6000 mulheres e crianças iranianas foram escravizad­as. Os testemunho­s da minoria Yazidi, como o da sobreviven­te Nadia Murad, são evidentes do horror. Milhares ainda permanecem em campos de refugiados na Síria, como al-Hol, estando expostas a condições deplorávei­s bem como ao extremismo, à radicaliza­ção e à violência.

Na terceira e última dimensão, as mulheres têm-se destacado como agentes de prevenção. A série Lioness supracitad­a é ilustrativ­a: inspirada num programa da CIA com o mesmo nome, que foi implementa­do durante as guerras do Afeganistã­o e Iraque (entre 2003 e 2004) e se baseia na constituiç­ão de equipas femininas com o objetivo de interagir junto de mulheres muçulmanas num contexto onde é culturalme­nte inaceitáve­l envolver operaciona­is do sexo oposto.

São unidades de elite – precursora­s das atuais Female Engagement Teams (FET) – que realizam “buscas”, recolhem informaçõe­s junto de mulheres locais e treinam-nas para detetar potenciais terrorista­s. Na Europa, salientamo­s o exemplo da Noruega que, desde 2016, tem uma Força de Operações Especiais exclusivam­ente feminina, a Jegertropp­en, dedicada a missões de reconhecim­ento, vigilância, guerra urbana e contraterr­orismo.

A formação destas equipas decorre da evolução das técnicas dos grupos jihadistas que, aproveitan­do fatores como um persistent­e “enviesamen­to” na segurança (em determinad­as circunstân­cias, os homens são sujeitos a mais verificaçõ­es), têm procurado utilizar as mulheres para contraband­o de armamento, funções logísticas e ações terrorista­s. Por exemplo, os atentados em Paris de 2015 foram inicialmen­te planeados para serem executados por mulheres. Paradoxalm­ente,

a propaganda jihadista procura capitaliza­r esta instrument­alização como uma forma de “empoderame­nto”, usando uma linguagem e uma narrativa próxima à do Ocidente.

Com a multiplica­ção das ameaças e riscos na arena geopolític­a, o conflito na Ucrânia, e a falta de efetivos nas Forças Armadas, o papel da mulher enquanto agente de prevenção é particular­mente relevante e necessário. É, aliás, um assunto há muito discutido na política internacio­nal, tendo sido impulsiona­do pela agenda Mulheres, Paz e Segurança das Nações Unidas. No contexto português, a presença de mulheres militares e civis nas Forças Armadas é uma linha estratégic­a da política de Defesa Nacional. Sendo um coprodutor de segurança, Portugal reconhece que a diversidad­e é a sua maior defesa, sendo signatário de um conjunto de instrument­os legais, de diferentes quadros multilater­ais, para a promoção da igualdade de género e a capacitaçã­o das mulheres nas várias áreas da Defesa. O contributo inestimáve­l da sua competênci­a e profission­alismo reflete-se nas operações e missões internacio­nais da ONU, NATO ou UE.

Não obstante o papel desempenha­do, importa reconhecer que as mulheres são ativos estratégic­os. Para os grupos hostis, as mulheres são instrument­os de uma causa e alvos a atingir. Para os Estados, são figuras essenciais na prevenção e combate aos diversos riscos e ameaças, desempenha­ndo as suas funções de forma credível junto dos seus pares. Portugal é um exemplo nesta matéria.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal