Mulheres com licença para matar
Na série Special Ops: Lioness (2023), Cruz é uma agente secreta envolvida na guerra contra o terror. Determinada, destemida e resiliente, a agente recrutada dos Marines tem como objetivo obter intelligence junto de um alvo importante. Ao longo dos séculos, as mulheres têm desempenhado uma panóplia de funções em cenários de conflito, tais como espias, enfermeiras, fotógrafas, diplomatas ou militares. A história está repleta de exemplos de excelência, desde as virtuosas do SOE de Churchill até às criptógrafas de Bletchley Park, fundamentais para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Recentemente, a guerra da Ucrânia colocou em evidência a importância da sua participação, tendo-se verificado um número crescente de voluntárias e mulheres militares prontas a lutar na linha da frente contra as forças russas.
O papel das mulheres em conflitos armados é multifacetado. Neste âmbito, existem três dimensões que importa destacar: agente de violência; vítima e agente de prevenção.
Na primeira dimensão, académicas explicam que o comportamento violento das mulheres nunca é justificado como um ato intencional. A participação das mulheres no terrorismo, por exemplo, contraria esta narrativa: são elementos ativos na violência terrorista desde a emergência de grupos anarquistas no século XIX. Nos últimos anos, as mulheres têm assumido papéis relevantes, cometendo ações violentas e participando em atividades de recrutamento, financiamento e difusão de propaganda. Esta é uma evidência estratégica do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh).
Na segunda dimensão, as mulheres são exploradas por redes criminosas e grupos terroristas, sendo vítimas de violência física e psicológica. Para o Daesh, por exemplo, as mulheres servem não só para garantir a continuidade do Califado, mas também para a satisfação pessoal dos combatentes, constituindo um trunfo de recrutamento: muitos foram atraídos para o grupo pela ideia de as disporem sexualmente. Em 2014, mais de 6000 mulheres e crianças iranianas foram escravizadas. Os testemunhos da minoria Yazidi, como o da sobrevivente Nadia Murad, são evidentes do horror. Milhares ainda permanecem em campos de refugiados na Síria, como al-Hol, estando expostas a condições deploráveis bem como ao extremismo, à radicalização e à violência.
Na terceira e última dimensão, as mulheres têm-se destacado como agentes de prevenção. A série Lioness supracitada é ilustrativa: inspirada num programa da CIA com o mesmo nome, que foi implementado durante as guerras do Afeganistão e Iraque (entre 2003 e 2004) e se baseia na constituição de equipas femininas com o objetivo de interagir junto de mulheres muçulmanas num contexto onde é culturalmente inaceitável envolver operacionais do sexo oposto.
São unidades de elite – precursoras das atuais Female Engagement Teams (FET) – que realizam “buscas”, recolhem informações junto de mulheres locais e treinam-nas para detetar potenciais terroristas. Na Europa, salientamos o exemplo da Noruega que, desde 2016, tem uma Força de Operações Especiais exclusivamente feminina, a Jegertroppen, dedicada a missões de reconhecimento, vigilância, guerra urbana e contraterrorismo.
A formação destas equipas decorre da evolução das técnicas dos grupos jihadistas que, aproveitando fatores como um persistente “enviesamento” na segurança (em determinadas circunstâncias, os homens são sujeitos a mais verificações), têm procurado utilizar as mulheres para contrabando de armamento, funções logísticas e ações terroristas. Por exemplo, os atentados em Paris de 2015 foram inicialmente planeados para serem executados por mulheres. Paradoxalmente,
a propaganda jihadista procura capitalizar esta instrumentalização como uma forma de “empoderamento”, usando uma linguagem e uma narrativa próxima à do Ocidente.
Com a multiplicação das ameaças e riscos na arena geopolítica, o conflito na Ucrânia, e a falta de efetivos nas Forças Armadas, o papel da mulher enquanto agente de prevenção é particularmente relevante e necessário. É, aliás, um assunto há muito discutido na política internacional, tendo sido impulsionado pela agenda Mulheres, Paz e Segurança das Nações Unidas. No contexto português, a presença de mulheres militares e civis nas Forças Armadas é uma linha estratégica da política de Defesa Nacional. Sendo um coprodutor de segurança, Portugal reconhece que a diversidade é a sua maior defesa, sendo signatário de um conjunto de instrumentos legais, de diferentes quadros multilaterais, para a promoção da igualdade de género e a capacitação das mulheres nas várias áreas da Defesa. O contributo inestimável da sua competência e profissionalismo reflete-se nas operações e missões internacionais da ONU, NATO ou UE.
Não obstante o papel desempenhado, importa reconhecer que as mulheres são ativos estratégicos. Para os grupos hostis, as mulheres são instrumentos de uma causa e alvos a atingir. Para os Estados, são figuras essenciais na prevenção e combate aos diversos riscos e ameaças, desempenhando as suas funções de forma credível junto dos seus pares. Portugal é um exemplo nesta matéria.