Diário de Notícias

“As pessoas continuam a sorver as palavras de José Mário Branco”

- ENTREVISTA MIGUEL JUDAS

Depois de dois concertos em Lisboa e Leiria, o músico e cantor continua a apresentar o espetáculo JP Simões canta José Mário Branco, inspirado no disco com o mesmo nome, que o ex-vocalista dos Belle Chase Hotel editou em fevereiro. O próximo espetáculo é hoje, 27, em Viseu, no Festival TRIP.

Éuma paixão antiga, esta que JP Simões sente pela música de José Mário Branco, de quem chegou a ser colega de faculdade, como conta nesta entrevista. Tudo começou quando, ainda adolescent­e, ouviu na rádio o tema Inquietaçã­o, do qual, anos mais tarde, faria uma versão no álbum de estreia a solo, 1970, editado em 2006. Depois disso, em 2019, por ocasião dos 45 anos do 25 de Abril, foi convidado a criar um espetáculo “à volta da música do José Mário Branco”, ao qual acabaria por regressar muitas mais vezes. Desta vez, porém, “a homenagem a uma das personalid­ades mais marcantes da música portuguesa” tomou mesmo a forma de um disco, que o músico e cantor de Coimbra agora apresenta ao vivo. É uma obsessão antiga, a música do José Mário Branco, que já havia reinterpre­tado por diversas vezes em concerto?

É uma afinidade consolidad­a já há muito tempo. Tenho uma admiração muito grande pelo José Mário Branco e, sim, já há uns bons anos que ando a apresentar um concerto criado à volta da música do José Mário Branco. A partir daí as coisas fluíram naturalmen­te até surgir o convite de uma editora para gravar um disco exclusivam­ente dedicado à música de José Mário Branco. Mas já existia o desejo de gravar um disco de homenagem a José Mário Branco?

Não, de modo algum, aliás raramente faço planos no que à música diz respeito [risos].

Como é que reagiu então ao convite, teve algum receio em pegar nestas músicas? Isto aconteceu porque o Hugo Ferreira, meu editor na Omnichord Records e que já há uns bons anos foi também presidente da Rádio Universida­de de Coimbra, me desafiou para gravar um disco a partir de um concerto apenas de voz e guitarra que o José Mário Branco deu uma vez em Coimbra, num aniversári­o da rádio. A ideia do Hugo era replicar aquele concerto num disco, mas depois pensei que como já tinha uma série de temas que me eram familiares, por andar a tocá-los com uma banda desde 2019, também os poderia aproveitar neste projeto. Lá juntámos as duas ideias e nasceu o disco.

Qual foi o critério da escolha dos temas?

Metade do disco é composto por alguns desses temas que já estava a tocar nos concertos, até por me serem mais familiares. Acima de tudo o critério foi que as canções soassem o mais natural possível na minha voz e nos arranjos. Portanto, tudo aquilo que soou mais forçado acabou por ficar de parte. Foi um critério, digamos, muito intuitivo. Já a outra metade, resultou de uma pesquisa na obra de José Mário Branco, na qual descobri alguns temas que me tocam bastante e, mais uma vez, os que funcionara­m acabaram por também por entrar.

Como é que surgiu o seu interesse pela música de José Mário Branco? Surgiu naturalmen­te, como sempre acontece quando esbarramos em algo bonito e forte. A primeira recordação que tenho é de ter 12 anos e ouvir o tema Inquietaçã­o num radiozinho que tinha. E, caramba, aquilo tocou-me bastante, de uma maneira que nem sequer percebia muito bem na altura. Foi uma música que ficou mesmo marcada em mim, devido àquela permanente tensão e, uns anos mais tarde, acabei mesmo por gravar uma versão no meu primeiro disco a solo. Chegou a conhecer o José Mário Branco?

Sim, a primeira vez foi num evento no São Jorge e para grande surpresa minha vi-o a avançar na minha direção, a chamar-me: “Simões, ó Simões” [risos]. E de forma muito simpática veio dizer-me que tinha gostado muito dessa versão. Fiquei meio encabulado, como é óbvio, mas de alguma maneira senti que ele estava orgulhoso. Fiquei muito contente, claro. Anos mais tarde, fomos também os dois juntos fazer um concerto a Coimbra e ainda chegámos a ser colegas na Faculdade de Letras de Lisboa. Eu estava a tirar o mestrado em Teoria da Literatura, ele a licenciatu­ra em Lógica e, de vez em quando, íamos para a esplanada falar, de forma muito calma, sobre tudo. Não sou um especialis­ta em José Mário Branco nem privei assim tanto com ele, mas mantivemos uma relação muito leve e saudável desde esse primeiro momento em que nos conhecemos. E depois uma coisa é a pessoa, outra é o trabalho que acabei de fazer à volta da obra dele. Nesse campo, sim, posso dizer que tenho alguma intimidade com o José Mário Branco. Já o ouvi muito e já o cantei muito.

Como é que estão a correr os concertos de apresentaç­ão? Houve já um em Lisboa, outro em Leiria e sábado será em Viseu… Estamos não só a interpreta­r o disco na íntegra, como também acrescentá­mos mais uma série de outros temas, incluindo um ou dois do Zeca Afonso e do Fausto. Os concertos têm corrido muito bem, porque as pessoas sorvem as palavras, o que é muito importante, numa altura como esta. Sinto-me apenas como um feliz intermediá­rio, ou seja, as pessoas vêm-me ver a mim, mas essencialm­ente ouvir as canções do José Mário Branco e isso deixa-me muito feliz.

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 ?? ?? Álbum lançado em fevereiro e agora apresentad­o ao vivo.
Álbum lançado em fevereiro e agora apresentad­o ao vivo.

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