Agora é o “choque” na habitação
Uma coisa tem em comum o discurso do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao dizer que Portugal precisa de um aumento da oferta de habitação para responder a uma dificuldade que é transversal também a outros países, e o que considera o novo ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, ao falar de um “choque de oferta” no mercado habitacional. Ambos falam de mais oferta, o que até aqui não surpreende ninguém.
Do ponto de vista discursivo, o Governo da AD corre, no entanto, o risco de cair em descrédito com uma certa banalização do termo “choque”, principalmente depois de toda a polémica em torno do chamado “choque fiscal”. Só depende do que conseguirá ou não fazer, porque não há dúvidas que é preciso o tal “choque” na oferta de casas para venda e arrendamento a preços acessíveis. Tudo isto tendo em conta os fluxos migratórios no território nacional, que pressionam mais algumas regiões do que outras.
Sem olhar para a demografia e o emprego, como dizia há pouco tempo o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), António Cunha, não se resolve o problema. E haverá outras questões não menos importantes em cima da mesa como o ordenamento do território, a igualdade de oportunidades no acesso à habitação, o investimento em infraestruturas e numa rede de transportes eficiente.
Quanto maior mobilidade as populações tiverem em redor das áreas metropolitanas, melhor. A procura por habitação fica menos concentrada. Mas não esquecer os meios rurais, onde muitas povoações estão isoladas, o que tem obrigado a fluxos migratórios maiores para os grandes centros urbanos, ou à deterioração das condições de vida destas populações, nomeadamente os mais vulneráveis, que ficam sem acesso a comércio, serviços, escolas, hospitais, emprego. A par da resolução do problema da habitação, o país precisa de políticas de coesão territorial e social.
A este respeito, o Programa do Governo da AD repete 66 vezes a palavra habitação, no documento de 196 páginas. Estão lá identificados os desafios do arrendamento, da construção de novas habitações e da mobilidade e estão apontados caminhos.
O Governo aprovou agora a nova orgânica para priorizar a execução de fundos europeus, a fixação de jovens ou responder às graves dificuldades no acesso à habitação. Neste último aspeto, cabe ao ministro definir prioridades e linhas de ação urgentes. Miguel Pinto Luz disse para não contarem com o Governo para o “jogo passa culpas” de que tudo foi mal feito no passado.
“Não, muita coisa está bem, outra tem de ser corrigida, outra tem de ser feita de forma diferente e outra não foi feita de todo.” Fica implícita nesta declaração alguma prudência de que a tutela não procura um “choque” com o principal partido da oposição, liderado por Pedro Nuno Santos, que conhece bem esta pasta. E mais: o ministro reconhece o “flagelo” (sinónimo de tormento, aflição, tortura) para muitos portugueses. Não faltam sinais de urgência, todos os partidos o sabem.
Pegar nas malas e partir para viver noutro país é uma decisão sempre difícil. Como sabemos, os baixos salários e a crise na habitação são para os portugueses dois grandes motivos que os empurram para a emigração. Mas há quem o faça com outras motivações. Miguel Pinto Luz conhece bem Cascais, onde foi vice-presidente da autarquia. Este é um município de eleição da imigração endinheirada norte-americana. Como contamos nesta edição (págs. 12-13), os preços elevados das casas não são problema para quem vende as suas moradias de férias na Florida e se instala aqui, junto ao mar, em segurança e com um Sistema de Saúde mais acessível do que nos Estados Unidos. Na reforma ou para trabalhar à distância, o nosso país oferece habitação mais barata do que no país de origem destes imigrantes – e eles têm reformas ou salários substancialmente mais elevados do que nós. Não devemos fechar as portas a ninguém, mas como sabemos, há várias formas de se olhar para o problema da habitação. E o Estado tem de procurar equilíbrios.