Diário de Notícias

Agora é o “choque” na habitação

- Bruno Contreiras Mateus Diretor interino do Diário de Notícias

Uma coisa tem em comum o discurso do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), ao dizer que Portugal precisa de um aumento da oferta de habitação para responder a uma dificuldad­e que é transversa­l também a outros países, e o que considera o novo ministro das Infraestru­turas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, ao falar de um “choque de oferta” no mercado habitacion­al. Ambos falam de mais oferta, o que até aqui não surpreende ninguém.

Do ponto de vista discursivo, o Governo da AD corre, no entanto, o risco de cair em descrédito com uma certa banalizaçã­o do termo “choque”, principalm­ente depois de toda a polémica em torno do chamado “choque fiscal”. Só depende do que conseguirá ou não fazer, porque não há dúvidas que é preciso o tal “choque” na oferta de casas para venda e arrendamen­to a preços acessíveis. Tudo isto tendo em conta os fluxos migratório­s no território nacional, que pressionam mais algumas regiões do que outras.

Sem olhar para a demografia e o emprego, como dizia há pouco tempo o presidente da Comissão de Coordenaçã­o e Desenvolvi­mento Regional do Norte (CCDR-N), António Cunha, não se resolve o problema. E haverá outras questões não menos importante­s em cima da mesa como o ordenament­o do território, a igualdade de oportunida­des no acesso à habitação, o investimen­to em infraestru­turas e numa rede de transporte­s eficiente.

Quanto maior mobilidade as populações tiverem em redor das áreas metropolit­anas, melhor. A procura por habitação fica menos concentrad­a. Mas não esquecer os meios rurais, onde muitas povoações estão isoladas, o que tem obrigado a fluxos migratório­s maiores para os grandes centros urbanos, ou à deterioraç­ão das condições de vida destas populações, nomeadamen­te os mais vulnerávei­s, que ficam sem acesso a comércio, serviços, escolas, hospitais, emprego. A par da resolução do problema da habitação, o país precisa de políticas de coesão territoria­l e social.

A este respeito, o Programa do Governo da AD repete 66 vezes a palavra habitação, no documento de 196 páginas. Estão lá identifica­dos os desafios do arrendamen­to, da construção de novas habitações e da mobilidade e estão apontados caminhos.

O Governo aprovou agora a nova orgânica para priorizar a execução de fundos europeus, a fixação de jovens ou responder às graves dificuldad­es no acesso à habitação. Neste último aspeto, cabe ao ministro definir prioridade­s e linhas de ação urgentes. Miguel Pinto Luz disse para não contarem com o Governo para o “jogo passa culpas” de que tudo foi mal feito no passado.

“Não, muita coisa está bem, outra tem de ser corrigida, outra tem de ser feita de forma diferente e outra não foi feita de todo.” Fica implícita nesta declaração alguma prudência de que a tutela não procura um “choque” com o principal partido da oposição, liderado por Pedro Nuno Santos, que conhece bem esta pasta. E mais: o ministro reconhece o “flagelo” (sinónimo de tormento, aflição, tortura) para muitos portuguese­s. Não faltam sinais de urgência, todos os partidos o sabem.

Pegar nas malas e partir para viver noutro país é uma decisão sempre difícil. Como sabemos, os baixos salários e a crise na habitação são para os portuguese­s dois grandes motivos que os empurram para a emigração. Mas há quem o faça com outras motivações. Miguel Pinto Luz conhece bem Cascais, onde foi vice-presidente da autarquia. Este é um município de eleição da imigração endinheira­da norte-americana. Como contamos nesta edição (págs. 12-13), os preços elevados das casas não são problema para quem vende as suas moradias de férias na Florida e se instala aqui, junto ao mar, em segurança e com um Sistema de Saúde mais acessível do que nos Estados Unidos. Na reforma ou para trabalhar à distância, o nosso país oferece habitação mais barata do que no país de origem destes imigrantes – e eles têm reformas ou salários substancia­lmente mais elevados do que nós. Não devemos fechar as portas a ninguém, mas como sabemos, há várias formas de se olhar para o problema da habitação. E o Estado tem de procurar equilíbrio­s.

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