Diário de Notícias

Restituiçã­o de património histórico é realidade na Europa

Em Portugal o tema causa polémica, mas noutros países já existem ações práticas, com devolução de peças a África.

- TEXTO AMANDA LIMA

“Devolve nosso ouro” é uma famosa frase dita por brasileiro­s aos portuguese­s, em referência ao ouro levado por Portugal durante o período colonial – estimado por historiado­res em quase 900 mil toneladas. A expressão, usada em tom de brincadeir­a – até mesmo por Flávio Dino, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – tem por trás uma discussão que começa a ganhar forma no país: a reparação histórica pelos danos causados por anos e anos de colonizaçã­o portuguesa pelo mundo. O tema ainda causa polémica, facto comprovado pelo impacto da declaração do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sobre o assunto.

“A repercussã­o sobre a declaração mostra que o passado continua sendo um tabu em Portugal”, afirma ao DN a jornalista da Reuters Catarina Demony, que fez a pergunta ao Presidente. Se em Portugal o tema ainda é polémico e com poucos consensos, em outros países europeus esta fase já passou e está no plano das ações concretas há anos. Ainda em 2017, a França começou o debate sobre a devolução de peças históricas ao Benim, facto concretiza­do em 2021. A mesma nação, hoje correspond­ente ao território da Nigéria, teve objetos devolvidos também do Museu de Londres e da Alemanha. Os germânicos restituíra­m ainda artefactos à Namíbia e pediram “perdão” ao povo da Tanzânia pela colonizaçã­o.

Os Países Baixos também efetuaram a devolução de bens da Indonésia e Sri Lanka. A Suíça entregou ao Egito 32 objetos culturais em 2018 e o Governo italiano ensaia fazer o mesmo com peças africanas. O Museu Britânico e o MuseuVicto­ria e Albert estão a ser pressionad­os para seguir o exemplo europeu. A iniciativa começou tímida: 32 peças de ouro e prata serão devolvidas ao Gana – mas só por seis anos.

A Alemanha, juntamente com França, deram um passo além em janeiro passado. Os dois países vão destinar 2,1 milhões de euros para investigar itens de antigas colónias que estão nos seus museus públicos. O objetivo é realizar devoluções futuras.

Reivindica­ções formais

Pelo mundo, há quem já esteja a reivindica­r. A Comunidade do Caribe (Caricom), formada por 20 países, elaborou um plano com dez medidas do que chamam de “justiça reparatóri­a” dos Governos europeus. A lista inclui um pedido de desculpas formal, repatriame­nto de descendent­es de escravos, ações de combate à crise na Saúde Pública, reabilitaç­ão psicológic­a, erradicaçã­o do analfabeti­smo, transferên­cia tecnológic­a e cancelamen­to de dívidas internacio­nais, entre outros.

Em África, Nana Akufo-Addo, presidente do Gana, está a liderar o mesmo debate e pediu união dos demais líderes africanos. “Não há dinheiro que consiga reparar os danos causados pelo tráfico transatlân­tico de escravos e as suas consequênc­ias. Mas esta é certamente uma questão que o mundo tem de enfrentar e não pode continuar a ignorar”, frisou.

Um movimento que também existe em Portugal. Em junho de 2023, após a Oficina da Reparação, foi lançada a Declaração do Porto: reparar o irreparáve­l, com 20 exigências. Entre elas está o reconhecim­ento pelo colonialis­mo, a instituiçã­o de uma Carta de Princípios Antirracis­tas na Função Pública, a criminaliz­ação do racismo, a implementa­ção de políticas públicas de combate à desigualda­de racial, a descoloniz­ação de materiais escolares e do hino nacional. A isenção de propinas s para alunos provenient­es dos países e território­s colonizado­s por Portugal e a restituiçã­o de objetos retirados de ex-colónias também integram a lista de exigências.

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