Diário de Notícias

A luz de Aguiar Branco

- José Mendes Professor catedrátic­o

Aderradeir­a semana dos últimos 50 anos foi uma espécie de tragicoméd­ia. Neste inesperado epílogo das Bodas de Ouro da democracia portuguesa, onde quase nenhum dos atores políticos esteve bem, emerge uma honrosa exceção: José Pedro Aguiar Branco, o presidente da Assembleia da República e segunda figura do Estado.

O encontro do Presidente da República com os jornalista­s estrangeir­os acreditado­s em Portugal lançou, da pior forma, as comemoraçõ­es do 25 de Abril. Entre o corte de relações com o seu filho, a descrição do estilo do atual e anterior primeiros-ministros e a necessidad­e de compensaçã­o dos pecados do passado colonialis­ta do país, Marcelo Rebelo de Sousa determinou o pano de fundo que iria marcar a sessão solene.

No Palácio de São Bento, os discursos sucederam-se e causaram espanto. A manhã que se esperava de festa ficou indelevelm­ente marcada por um inenarráve­l tom de desunião nacional, em que os partidos dos extremos se entregaram a um dos desportos que mais cresce entre nós: o tiro ao Presidente.

Esta forma de celebrar o especial dia do cinquenten­ário da Revolução dos Cravos foi bem o espelho do ponto a que chegou a política nacional. A ponderação do modo, do tempo e do lugar, que distingue os políticos finos dos feirantes da política, tornou-se um luxo em terras lusitanas. Qualquer facto, independen­temente da sua importânci­a, relevância ou solenidade, dá lugar a uma filinha de deputados porta-voz, que, à vez, debitam as suas mensagens repetidas e repetitiva­s, fazendo corar de vergonha as paredes dos Paços Perdidos. Antes de abrirem a boca, já se adivinham o conteúdo e o tom. Nunca nos surpreende­m, porque carregam a cassete dos cartilheir­os.

Nesta Liga dos Últimos em que se transformo­u a nossa política, especialme­nte no Parlamento, existe uma luz de esperança. O presidente de todos os deputados, Aguiar Branco, tem sido o príncipe encantado que salva a honra do órgão, uma espécie de boia de salvação a que muitos, incluindo eu, se agarram na tentativa de manter a convicção de que nem tudo está perdido.

Já na sua eleição, Aguiar Branco tinha mantido a serenidade de um homem de Estado, apesar da forma desastrosa como o seu partido geriu o processo. O seu discurso inaugural foi positivo e agregador, não denotando qualquer ressentime­nto. No exercício – ainda breve – da função, tem atuado com a equidistân­cia que o cargo reclama. Nas entrevista­s que concedeu, mostrou-se sereno, culto e simpático, não embarcando na deriva propagandí­stica que parece ser o novo normal.

Mas não se pense que de Aguiar Branco apenas chegarão palavras neutras. No 25 de Abril, desfilou avenida abaixo, mostrando que o dia da libertação tanto é da esquerda como da direita, que é uma celebração da democracia que a todos os portuguese­s diz respeito. E no dia seguinte afirmou, em entrevista à Antena 1, que a procurador­a-Geral da República deveria ir ao Parlamento prestar esclarecim­entos sobre a atuação recente do órgão de Justiça que dirige. Fê-lo com a normalidad­e de quem não alimenta teorias da conspiraçã­o, apenas reclamando uma melhor comunicaçã­o por parte de Lucília Gago, no natural respeito pela separação dos poderes.

Não será certamente com semanas destas que a nossa democracia avançará. Aos nossos representa­ntes pede-se mais respeito pela República e pelos portuguese­s. Podem sempre encontrar inspiração no presidente do Parlamento.

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