Diário de Notícias

A larva comedora de cérebros de RFK Jr. e a chacota do neto de Kennedy

- Helena Tecedeiro Editora executiva do Diário de Notícias

Oano era 2012 e Robert Kennedy Jr. estava em pleno processo de divórcio da mãe dos seus quatro filhos mais novos, Mary Richardson Kennedy, quando terá afirmado em tribunal que vários dos seus problemas de saúde, incluindo curtas perdas de memória e confusão mental, se deviam a uma larva que tinha entrado no seu cérebro e comido um pedaço, antes de morrer lá dentro. Problemas de saúde, alegava o advogado e ativista ambiental, que limitavam a sua capacidade financeira, impossibil­itando-o de pagar à futura ex-senhora Kennedy o montante que esta exigia para assinar o divórcio.

As alegações foram agora divulgadas pelo jornal The NewYork Times num momento em que muitos analistas acreditam que a campanha de RFK Jr. – sobrinho do presidente John Kennedy e filho do senador e candidato presidenci­al Robert Kennedy, assassinad­o em 1968 em plena campanha – pode vir a influencia­r o resultado das presidenci­ais de 5 de novembro. Resta saber se o homem que trocou a corrida à nomeação democrata por uma candidatur­a como independen­te, roubará mais votos a Biden ou a Trump.

Com dois candidatos com idade preocupant­emente avançada – a 5 de novembro, data das eleições Biden estará a dias de fazer 82 anos e Trump faz 78 no mês que vem –, RFK Jr. tem apresentad­o os seus “meros” 70 como vantagem, fazendo da saúde e do bem-estar pedra de toque da sua campanha.

Nos últimos meses, o advogado tem apresentad­o como prioridade, se for eleito, o combate às doenças crónicas, como diabetes, autismo, obesidade, défice de atenção, asma ou alergias alimentare­s. E não é raro aparecer nas redes sociais a fazer caminhadas, ski ou surf, com um vídeo em que surgia a levantar pesos e sem camisa a ter mesmo viralizado.

A campanha de RFK Jr. apressou-se a vir desvaloriz­ar a notícia do NYT, garantindo que a saúde do candidato está ótima e que qualquer efeito que tenha sentido já passou há muito. Questionad­a sobre se estas preocupaçõ­es do passado podem compromete­r a competênci­a do candidato a presidente, a sua porta-voz ironizou: “É uma sugestão hilariante, tendo em conta a concorrênc­ia!” E o próprio RFK Jr. desafiou na rede social X: “Ofereço-me para comer mais cinco larvas e ainda bater os presidente Trump e Biden num debate. Sinto-me confiante no resultado, mesmo com um handicap de seis larvas.”

Esclareçam­os, antes de mais, que: 1) não é comum aparecerem larvas no cérebro das pessoas; 2) estas não são comidas já na sua forma final, são geralmente os ovos que são ingeridos através de alimentos ou água contaminad­a; 3) não “comem” o cérebro, formando antes quistos que podem, em casos raros, exercer pressão sobre certas zonas do cérebro.

Mas se RFK Jr. pode rejeitar as insinuaçõe­s sobre a sua saúde com alguma base médica, há uma realidade que ele não pode negar: a falta de apoio da sua mui famosa família.

Não é preciso ter memória dos assassinat­os de JFK, em 1963, e do irmão Robert, cinco anos depois, para sentir o fascínio pela família real da política americana. Um misto de deslumbram­ento por estes homens eternament­e jovens e bem-parecidos, com as suas famílias perfeitas, e de assombro com as tragédias que fustigaram várias gerações de Kennedys. E se foi apenas em documentár­ios e filmes que vi a bela Jackie, de tailleur rosa, debruçar-se sobre o marido acabado de balear naquela manhã de novembro em Dallas, ainda me lembro do choque da notícia da morte do seu filho, John John, em 1999, na queda do pequeno avião que pilotava a caminho de Martha’sVineyard e onde seguia também a sua mulher, Caroline Bessette.

Ora os Kennedy que escaparam à maldição das mortes trágicas parecem pouco entusiasma­dos por verem alguém com o seu apelido voltar a tentar a presidênci­a. RFK Jr. bem pode reivindica­r o legado do tio e do pai, mas ainda há dias 15 membros do clã foram à Casa Branca manifestar apoio a Biden. E no mesmo dia em que o NYT divulgava a notícia da larva cerebral do candidato, o seu primo Jack Schlossber­g, neto de JFK, postava no Instagram uma série de vídeos em que gozava com RFK Jr, encarnando várias personagen­s, com os respetivos sotaques, através das quais acusa o primo de ser mentiroso, pouco inteligent­e e abusar dos esteroides. Uma série de caricatura­s que o NYT descreve como pouco dignas de um Kennedy, mas que mostram bem o agudizar deste feudo familiar.

Com ou sem apoio da família, RFK Jr. conseguiu transforma­r estas presidenci­ais de uma corrida a dois numa corrida a três. Amante das teorias da conspiraçã­o, cético em relação às vacinas para a covid e ao próprio processo eleitoral nos EUA, RFK Jr. surge em algumas sondagens com até 14% das intenções de voto. Um resultado que, a confirmar-se, pode baralhar o desfecho das próximas presidenci­ais – basta recuar até 1992, quando Ross Perot, com os seus quase 19% até pode ter roubado votos a ambos os rivais, mas ficou para sempre como o homem que impediu a reeleição de Bush pai e deu a vitória ao democrata Bill Clinton. E não será uma velha larva encontrada no seu cérebro a impedi-lo de tal coisa.

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