Diário de Notícias

Fátima: a moda das festas que ajudam na peregrinaç­ão

No troço entre Coimbra e Pombal pegou a moda da “Festa do Peregrino”. Depois do camião dos gémeos Ferreira, chegou a tenda de Secundino. Vários artistas do Minho juntaram-se ao caminho, com pontos de apoio transforma­dos em arraiais. “Este ano noto muito m

- TEXTO PAULA SOFIA LUZ

Festa na tenda de Secundino Pinto, animada pelos acordes de Mikael Akordeon, acompanhad­o pelo Duo Opsom, dá novo ânimo aos peregrinos.

Catarina Dias partiu de Montalegre há 9 dias. Se tudo correr como previsto, ela e o grupo de 49 companheir­os em peregrinaç­ão a Fátima chegarão à Cova da Iria bem a tempo das celebraçõe­s do 13 de maio. A organizaçã­o pertence a Chaves, mas a composição é diversa, incluindo gente de Boticas eValpaços. É quase uma da tarde de sexta-feira, estão 31 graus, quando o grupo faz uma paragem à beira do IC2, junto ao camião dos gémeos Ferreira, de Marco de Canaveses, que há 31 anos cumprem a promessa de apoiar os peregrinos. Este ano, o espaço dos Híper Gémeos tem novidades: além do porco no espeto, das febras, bolos e bolachas, presunto a perder de vista e água para matar a sede, anuncia-se a “Festa do Peregrino”.

Há artistas populares, música para quem quiser dançar. Catarina reconhece dois amigos de infância: Rafael e Francisca, que são afinal o Duo Toka e Dança, em cima do palco improvisad­o num canto do camião. E ela, que é engenheira civil de profissão e música de paixão (integra o grupo Os Lordes, de Montalegre) pega na concertina e faz o gosto aos dedos. O grupo que a acompanha aplaude. “Vamos lá dançar!”, incentiva Catarina. Com ela vem também a irmã gémea, naquela que é a sua primeira peregrinaç­ão. Ninguém diria que nos últimos 9 dias percorreu, a pé, os cerca de 300km que separam a sua terra daquele descampado à beira do IC2, no Lugar de Relvão, Freguesia da Redinha, próximo de Pombal.

Mais tarde, diz ao DN que esta está a ser uma experiênci­a intensa. “Venho, sobretudo, em sinal de gratidão. E parece-me importante vir e dar um sinal aos jovens no sentido de lhes mostrar que precisam de ser mais humanos.” Tem 25 anos e é uma das mais jovens do grupo. Considera iniciativa­s como esta “muito valiosas, até porque muita gente vem em sofrimento, e a música é uma maneira de o combater”.

Arminda Pinto, 41 anos, companheir­a de viagem, alinha na mesma

Também ela faz o caminho pela primeira vez, sendo que veio propositad­amente da Suíça para o fazer. Queixosa dos joelhos e dos pés, prefere filmar o momento em vez de dançar.

Quando há três décadas os gémeos José e António Ferreira começaram a distribuir mantimento­s aos peregrinos o tempo era outro. O pai era feirante, de modo que ambos cresceram no comércio e acabaram por singrar nessa área (são proprietár­ios de várias lojas em Marco de Canaveses, Lousada, Amarante e Paredes). Aos 25 anos, José sentiu que a vida lhe escapava, à conta de uma doença pulmonar.

“Naquele ano prometi à Nossa Senhora que, se ficasse bom, ia a Fátima a pé.” E foi. Nesse e nos quatro anos seguintes. “Aquilo eram condições muito más. Dormíamos onde calhava. Nem imagina”, conta ao DN, ao mesmo tempo que recorda o momento em que decidiu “fazer alguma coisa pelas pessoas que fazem este caminho”. Desde então, repetem o gesto solidário nos dias 9 e 10 de maio.

Secundino e o sonho de ajudar

A maior parte dos peregrinos que caminham para o Santuário de Fátima vem do norte do país. A (perigosa) estrada que é o IC2 vai repleta, por estes dias. Numa fase em que muitos já precisam de cuidados, há vários pontos de apoio no troço entre Coimbra e Pombal, a cargo da Cruz Vermelha Portuguesa, da Asopinião. sociação Caminhos de Fátima e da Ordem de Malta. Ao mesmo tempo, o camião dos gémeos Ferreira também já é referência para muitos que fazem o caminho. Mas desde o ano passado juntou-se ao programa a Tenda de Apoio ao Peregrino de Barcelos. À cabeça de mais esta ideia está Secundino Pinto, 52 anos, um empresário local que mobiliza um verdadeiro exército de boa vontade: uma equipa de 14 pessoas e seis bandas de música, graças ao apoio de 140 empresas.

Em plena pandemia, uma noite mudou tudo: “Eu tive um sonho, em que estava eu e um amigo a distribuir águas aos peregrinos. No dia seguinte contei-lhe. E ele diz-me: ‘Ah estávamos? Então vamos mesmo!” Secundino conta ao DN que sempre foi devoto de Nossa Senhora de Fátima. “Desde os 2 anos de idade que sempre fui ao santuário, todos os anos”, mas de carro. Já tentou fazê-lo a pé, mas ainda nunca conseguiu chegar ao final.

Está com fé de que vai ser este ano. É que depois de desmontar a tenda, ele e um pequeno grupo de familiares e amigos vão fazer-se à estrada, a tempo de chegarem à Capelinha das Aparições ao final do dia de domingo, 12 de maio. Espera ali pela mulher, Rosa, que por estes dias presta o mesmo tipo de apoio mais a norte, também com uma tenda. A conversa é interrompi­da pelos acordes de Nossa Senhora do Minho, a música de Mikael Akordeon, hoje acompanhad­o pelo Duo Opsom.

Do acordeão de Mikael Barros, o músico de 36 anos natural de Ponte de Lima, saem sons do Minho. “Portugal é meu país / O norte é meu cantinho, louvemos a nossa mãe / Nossa Senhora do Minho”.

Um grupo de Vizela anima-se com o vira minhoto, hoje interpreta­do com a ajuda de Hugo Costa e Tiago Cortez (os Opsom), que há 24 anos unem esforços na música. São eles o cartaz deste penúltimo dia de apoio ao peregrino, do grupo de Barcelos que transformo­u a tenda num arraial. Qualquer um dos artistas atua ali graciosame­nte. “É um conforto que damos às pessoas, ao fim de vários dias a caminhar. Sentimos que estamos a ajudar, e isso é muito gratifican­te”, afirma Hugo Costa. Nenhum dos três artistas foi já a Fátima a pé. “Ainda não tive essa coragem”, admite Mikael.

É o que não falta à maioria dos milhares de peregrinos que por ali passam. Sentada a um canto, uma freira observa agora o grupo que dança Kuduro. É a irmã Beatriz da Silva, 93 anos, que só há dois deixou de fazer o caminho a pé. Ainda assim, faz questão de acompanhar o grupo de Viana do Castelo no carro de apoio. São mais de quatro décadas a participar na peregrinaç­ão internacio­nal aniversári­a. “Este ano noto muito mais gente e mais nova”, diz ao DN, apontando uma evidência que se observa nas estradas. Talvez a música e a festa respondam a esse retrato, deste novo tempo.

Os manifestan­tes empunharam cartazes e deixaram algumas palavras de ordem.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal