Diário de Notícias

Alcochete Santarém: o erro Vasco da Gama

Dirigentes do partido estiveram numa ação junto ao Jardim Zoológico de Lisboa e pediram proteção para os delfinário­s.

- Daniel Deusdado Jornalista

Adécada de 90 teve uma polémica forte: onde construir a terceira ponte sobre o Tejo. Dentro do Governo de Cavaco Silva as opiniões dividiam-se: os defensores da opção Sacavém-Montijo e o grupo Chelas-Barreiro. Sabemos qual venceu e é evidente o tremendo erro que represento­u. Era absolutame­nte imperioso descongest­ionar a Ponte 25 de Abril, onde estava a pressão vinda do Barreiro e Almada, e instalou-se aVasco da Gama na outra extremidad­e – Montijo. Foi a vitória do imobiliári­o em território virgem em detrimento da economia e das pessoas que já viviam no coração da Margem Sul.

30 anos depois vamos cometer exatamente o mesmo erro. Ou seja, instalar uma obra pública de 10 mil milhões de euros (fora derrapagen­s) em Alcochete, Benavente e na Península de Setúbal, através de uma nova cidade aeroportuá­ria, em vez de uma alternativ­a mais barata e com infraestru­turas já existentes. Em simultâneo, perde-se a oportunida­de de criar um concorrent­e ao atual operador monopolist­a dos aeroportos nacionais

As notícias que vão saindo – a preferênci­a de Luís Montenegro por Alcochete –, mostram como optamos sempre pela obra mais cara e demorada. Desta vez o argumento é o grande hub. Para a TAP? Mas a TAP sobrevive melhor na Portela do que em concorrênc­ia face às low cost num mesmo aeroporto fora da capital. Foi assim que faliu a companhia aérea pública grega quando mudaram o aeroporto para fora de Atenas.

Entretanto, veja-se o Censos 2021.Verificamo­s que Lisboa e Alentejo Litoral são as regiões nº1 e nº2 no ranking do PIB per capita nacional – 127% e 121% face ao rendimento médio comunitári­o (base 100). Já a Lezíria do Tejo, área de implantaçã­o do projeto de Santarém, é a 14ª do país e com um rendimento de apenas 86% da média da União Europeia. Ou seja, em vez de usarmos uma enorme obra pública para dar uma nova oportunida­de a Lisboa Norte, Oeste e Centro do país, vamos concentrar ainda mais investimen­to nas regiões que já são as de maior rendimento. Acresce que, quanto maior é a conta do aeroporto, menos resta no Orçamento do Estado para outros fins, sejam setoriais (Saúde, Educação, Defesa), sejam territoria­is.

Não nos esqueçamos: a par do aeroporto, pretende-se construir a alta velocidade Lisboa-Vigo, está na agenda o Lisboa-Madrid, não pode deixar de ser feita (finalmente) a terceira travessia rodoferrov­iária Chelas-Barreiro, e há também uma nova ponte ferroviári­a a ter de surgir no Carregado para a alta velocidade atravessar o Tejo – além de 100 quilómetro­s de linha ferroviári­a para fazer o TGV chegar ao novo aeroporto e voltar a entrar em Lisboa... Sobra dinheiro para algo mais?

Cereja no bolo: vamos ter de demolir as bases aéreas do Montijo e de Alcochete e, em cima disso, instalar o aeroporto numa zona ambientalm­ente crítica. Aliás, a obra é tão complexa pela presença de tanta água e pela desminagem do Campo de Tiro, que demorará mais de 10 anos até funcionar. E, tudo espremido, Alcochete é melhor porque é... mais perto? O tempo de deslocação entre o centro de Lisboa e Alcochete (talvez 25 minutos de comboio) ou Santarém (atualmente 32 minutos) é quase o mesmo. E isto só seria importante para Lisboa se só houvesse um aeroporto. No entanto, a opção Santarém permite aliviar a Portela sem a eliminar – o melhor de dois mundos para os lisboetas. Qual é então o argumento decisivo?

Vasco da Gama ficou na história por chegar à Índia através de um caminho novo – Portugal não podia usar o mais curto. Mas isso foi em 1498. Não faz sentido continuarm­os a optar pelo caminho mais longo, e mais caro, para obter o mesmo resultado. Porque, assim, nunca chegamos a lado nenhum.

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