Cheias no Rio Grande do Sul transbordam para a política
Governo Lula e aliados de Bolsonaro comparam reações dos presidentes a tragédias. Discussão descamba para fake news em massa. Ação ambiental do governador do Estado sob escrutínio. Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul, agradeceu, ao lado de Lu
Lula esteve com nove ministros no Rio Grande do Sul e viu os estragos causados pelas cheias, do céu.
As cheias que atingem o Rio Grande do Sul, o Estado mais meridional do Brasil, com o triplo da área de Portugal, têm sido cenário de uma guerra política entre os apoiantes do Governo de Lula da Silva, e os partidários do ex-presidente, Jair Bolsonaro. Enquanto se enterram os 137 mortos, se buscam os 141 desaparecidos e se cuida dos mais de 400 mil deslocados e 1,95 milhões de afetados pela maior tragédia climática da história da região, caiu nas redes sociais uma enxurrada de fake news dirigida pela extrema-direita brasileira.
As hostilidades começaram com o senador Humberto Costa, do Partido dos Trabalhadores (PT), a comparar, no X, as ações de Lula nesta tragédia com as de Bolsonaro nas enchentes da Bahia, no final de 2021 e no início de 2022. “Naquele momento, o ex-presidente Bolsonaro estava de férias, passeando de jet-ski em Santa Catarina e seguiu como se nada estivesse acontecendo. Agora, o Rio Grande do Sul vive uma tragédia semelhante, também fruto da emergência climática: Lula foi ao Estado, conversou com as pessoas, acompanhou as ações que estão sendo realizadas pelo Governo Federal e garantiu toda a ajuda possível”, escreveu o senador.
A deputada federal Carla Zambelli, do Partido Liberal (PL), o mesmo de Bolsonaro, reagiu, acusando Lula de se omitir agora enquanto Bolsonaro, na outra tragédia, disponibilizou imediatamente 700 milhões de reais (à volta de 130 milhões de euros) no apoio às áreas afetadas.
O Governo atual nega a tese da omissão: Lula esteve com nove ministros no Rio Grande do Sul, fez-se acompanhar pelos presidentes das duas câmaras do Congresso e decretou Estado de Calamidade Pública em mais de 300 municípios gaúchos (o gentílico do natural daquele Estado), o que na prática significa apoio financeiro à reconstrução. E já destinou 548 milhões de reais (perto de 100 milhões de euros) para o Ministério da Saúde e 928 milhões de reais (quase 170 milhões de euros) para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social aplicarem na região.
Marina, Madonna, Beyoncé
A arena política das redes sociais, até então apenas a discutir atuações presidenciais e verbas disponibilizadas, entrou num frenesim depois de Marina Silva, ministra do Ambiente, atribuir as enchentes “a quatro anos de apagão em termos de política climática”, numa referência à presidência de Bolsonaro.
Na sequência, Nikolas Ferreira, deputado do PL, aproveitou uma referência elogiosa a Marina feita pela cantora Madonna durante um concerto no Rio de Janeiro para acusar o espetáculo de “satanista”. Segundo o parlamentar, a ambientalista foi homenageada “no dia em que bebés estavam boiando mortos no Rio Grande Sul”.
O deputado Gustavo Gayer, ainda do PL, publicou que “há dois países diferentes” no Brasil, um que enfrenta as enchentes e está “abandonado pelo Governo” e outro que assiste a “um espetáculo de chorume moral protagonizado por uma depravada decadente”, referindo-se ao concerto de Madonna.
Até a cantora Beyoncé surgiu numa publicação a condenar a colega Madonna por realizar um concerto à hora da tragédia – o áudio, editado por ferramentas de Inteligência Artificial, é de 2021 em homenagem a George Floyd, assassinado pela polícia dos EUA.
A enchente de fake news, veiculadas pelo deputado Eduardo Bolsonaro e outros, inclui o boato de que o Governo estaria a cobrar impostos por doações ao povo gaúcho, de que a polícia rodoviária, por decisão do Planalto, bloqueava os camiões com alimentos e de que os helicópteros do Estado na busca por desaparecidos eram, na realidade, de empresas privadas. Um grupo de 25 deputados bolsonaristas apresentou mesmo um projeto de lei baseado nessas fake news.
As autoridades do Rio Grande do Sul e da sua capital, Porto Alegre, foram obrigadas a desmentir as publicações e a fornecer um balanço dos trabalhos conjuntos de Forças Armadas, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Brigada Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e voluntários. Segundo os dados oficiais, 2000 funcionários públicos estaduais e 14 500 funcionários públicos federais ajudaram a resgatar mais de 50 mil pessoas em 401 dos municípios do Estado.
Rui Costa, ministro da Casa Civil, disse que, numa reunião da task force que acompanha a tragédia, foi pedido ao Ministério da Justiça para “impedir que a disseminação de informação falsa comprometa o trabalho de salvar vidas”. E que os órgãos competentes “estão a atuar, em caráter de urgência, para identificar os atores do ecossistema de desinformação e entrar com ações judiciais para retirada de conteúdo, direito de resposta e indemnização por dano moral e coletivo”.
Governador na mira
Já Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul, agradeceu, ao lado de Lula, “todo o apoio do Governo Federal e das forças nacionais de segurança ao povo gaúcho”, disse que “é hora de focar” no lema da gestão do Governo Federal, “união e reconstrução” e não de “procurar culpados” pela tragédia.
Entretanto, em sondagem da Quaest, 68% dos 2045 entrevistados atribuem “muita culpa” ao Governo gaúcho pela calamidade. O poder municipal é visto como muito culpado por 64% dos ouvidos e o Governo do país por 59%. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental acusa mesmo Leite de alterar 480 normas do Código Ambiental do Estado em 2019, acompanhando o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, à época, pelo então ministro bolsonarista Ricardo Salles.
Leite é do PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso que rivalizou com o PT nas eleições de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 com candidato próprio e, em 2022, apoiou a centrista Simone Tebet, hoje ministra do Planeamento de Lula, depois de em 2018 ter perdido para o bolsonarismo o papel de principal antagonista do PT.
“A Europa deve saber defender o que lhe é caro junto dos seus aliados – sempre que estiverem preparados para o fazer ao nosso lado – e sozinha ,se necessário.”
EMMANUEL MACRON, presidente da França
Energia (renováveis e nuclear).
Mas será muito mais do que isso. A chave é preservar um quadro de valores que nos distingue, neste mundo de crescentes ameaças das potências revisionistas: “Nunca devemos esquecer que nós, europeus, não somos como os outros. Temos um especial apego à liberdade, democracia, Estado de Direito e igualdade. Estes valores estão cada vez mais sob ameaça da desinformação e da propaganda.” O desafio é enorme: “As regras do jogo mudaram em várias frentes, incluindo a geopolítica, a economia, o comércio e a cultura. Devemos estar lúcidos sobre o facto de que a nossa Europa hoje é mortal. Pode morrer. Pode morrer e isso depende, unicamente, das nossas escolhas. Mas essas escolhas têm de ser feitas agora.”
Primeira certeza: a Rússia não pode ganhar
Sem nuances ou rodeios, Macron apontou: “A Rússia é a potência desestabilizadora da Europa. A sua principal ameaça.”
Ele, que nas vésperas da invasão de 24 de fevereiro de 2022, se deixou enganar pelo canto de sereia de Putin (o presidente russo garantiu, por mais que uma vez, ao telefone ao homólogo francês que não ia decretar a invasão em larga escala da Ucrânia), sabe bem do que está a falar.
“A Rússia não pode ganhar na Ucrânia”, insistiu Macron. “Não há defesa sem uma indústria de Defesa. Tivemos décadas de desinvestimento. Temos de produzir mais, temos de produzir mais rápido e temos de produzir como europeus.”
Este aumento nos investimentos poderia ser financiado através do aumento da dívida comum da UE.
Segunda asserção: definir um grande plano de investimento coletivo
A Europa corre o risco de ficar para trás economicamente, num contexto em que as regras globais do comércio livre estão sob forte pressão dos principais concorrentes. É preciso reduzir burocracias para as pequenas e médias empresas.
A resposta é um “pacto de prosperidade” que incluiria “ondas de simplificação de regras”, ao longo do próximo mandato, para permitir às empresas escalarem rapidamente a nível europeu e uma política industrial para impulsionar os setores mais ecológicos.
A UE precisa de um “grande plano de investimento coletivo”.
Terceiro alerta: a UE tem de ser relevante na nova ordem multipolar
Macron alertou para a importância de a Europa se afirmar como terceira potência nos contextos político e militar, atrás de EUA e China – para ser capaz de defender os seus próprios interesses.
O modelo europeu corre o risco de morrer devido à rivalidade EUA-China, e a próxima década será decisiva para a sua sobrevivência, alerta Macron. “Os Estados Unidos da América têm duas prioridades: em primeiro lugar, os Estados Unidos da América, que é legítimo. E em segundo lugar, a China. A questão europeia não é uma prioridade geopolítica para os anos e décadas vindouros, qualquer que seja a força da nossa aliança.”
Por isso, a Europa “tem de mostrar que também sabe falar a todas as regiões do mundo: aos países emergentes, a África, à América Latina”.
Esperemos que os eleitores europeus mostrem que estão em sintonia com o presidente da França sobre as decisões difíceis de tomar para proteger a mais bela e bem-sucedida construção política do último século.