No decurso de uma tournée pelo Brasil, Marcello Caetano convidou-o para sua casa, onde ouviram ambos Verde Vinho em silêncio e, no final, o ex-governante pediu-lhe que assinasse o disco.”
A música ou, melhor, a letra, versa o tema de imigrantes gregos na rRegião do Ruhr e mete um narrador que entra numa taberna numa noite escura e fria e encontra um grupo de homens morenos de olhos negros cheiinhos de saudades de casa. Fala-se numa juke-box,
tal qual na história real de Paulo Alexandre, das mulheres e dos filhos dos migrantes gregos, de montes verdes e de mar e vento. Lançada em 1974, a canção atingiu os tops da Alemanha e da Suíça, em 1975, foi n.º 3 na Áustria, valeu um Disco de Ouro a Udo Jürgens, que nesse mesmo ano gravou uma versão francesa
(A mes amours), grega (Phile kerna krassi) e, em 1980, inglesa
(Come share the wine).
A popularidade foi tal que os autores da música e da letra foram recebidos pelo PM grego, Konstantinos Karamanlis, que lhes agradeceu a homenagem aos trabalhadores do seu país e, em 2020, Griechischer Wein foi classificada em 6.º lugar na lista das 100 Canções Pop Austríacas mais importantes de todos os tempos. É nestas coisas que aWikipédia ajuda muito: foram feitas versões inglesas, holandesas (esta, falando do Schrobbelèr, um licor de ervas muito popular na cidade de Tilburg),
espanholas (por José Vélez) e portuguesa (de Paulo Alexandre, com o selo Rossil, empresa por si fundada com António Sala e outros). Até Bing Crosby a trinou, o mesmo sucedendo com Al Martino (que, caso não saibam, aparece como crooner no Padrinho de Coppola). E a música, com letra em francês e basco, é o hino oficial do Bayonne Rugby Club.
Foi ela que relançou a carreira de Paulo Alexandre, projectando-a para píncaros nunca vistos, o primeiro lugar dos tops nacionais, menção na revista Billboard, um estrondo aquém e além-Atlântico, em especial no Brasil. No decurso de uma tournée por este país, Marcello Caetano convidou-o para sua casa, onde ouviram ambos Verde Vinho em silêncio e, no final, o ex-governante pediu-lhe que assinasse o disco (mais tarde, a Maria Helena Prieto, Marcello dirá que a música lhe “chocalhou a alma”, “apesar de a música ser alemã ou talvez por isso, por ser um canto báquico sem os langores do fado, e que se ajusta ao borbulhar capitoso dos vinhos minhotos.”).
No país-irmão seria feito um filme, inclusive, tendo no papel principal o actor Dionísio Azevedo, vedeta de muitas novelas, como Dona Xepa ou O Astro. Um sucesso que, obviamente, muito deve à diáspora portuguesa e sobretudo ao facto de esta ainda ser de “primeira geração” ou quase, portanto com ligações afectivas e raízes no torrão natal, coisa hoje cada vez mais remota, quando não inexistente.
A música levaria Alexandre aos quatro cantos do mundo, EUA, França, Argentina, a shows no Copacabana Palace, a muitas e muitas coisas. O cantor ainda gravou outros êxitos, mas depois fixou-se na TV, na produção de séries documentais, como uma, Portugal e o Mar, da autoria do almiranteVítor Crespo, ou O Que é Feito de Si, com 120 episódios, versão avant la lettre destas Provas de Vida.
Hoje afastado dos palcos (depois de ter dado vozes às versões portugueses de A Pequena Sereia I e II e Mulan I e II, da Disney), fustigou nas suas memórias os críticos do “nacional-cançonetismo”, estilo de que ele, goste-se ou não, foi um dos principais expoentes. Em 2009, a Sociedade Portuguesa de Autores conferiu-lhe a sua Medalha de Honra. Destino improvável para um rapaz nado Modesto, que aos 13 anos já trabalhava na Baixa e que aos 93 permanece, ao que parece, aquilo que sempre foi, um país no coração.
Para o meu tio Manecas, que conheceu Paulo Alexandre
*Prova de vida (45) faz parte de uma série de perfis