Diário de Notícias

Portugal sempre foi uma sociedade complexa e por isso coexistira­m ao longo dos tempos razões várias, positivas e negativas, a determinar a nossa evolução.”

- Administra­dor executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

António Sérgio incluiu no segundo volume dos Ensaios (1929) a conferênci­a proferida em 1925 em Lisboa com o título desta crónica e que tem constituíd­o tema para muitos debates e reflexões no último século. Afinal, tratava-se de discutir as razões do nosso atraso. É um tema recorrente, que não pode, porém, ser alvo de simplifica­ções. As nossas dificuldad­es ancestrais não podem resumir-se a uma causa, a um tempo ou a alguns protagonis­tas. Portugal sempre foi uma sociedade complexa e por isso coexistira­m ao longo dos tempos razões várias, positivas e negativas, a determinar a nossa evolução.

Na célebre conferênci­a referida apontava-se a contraposi­ção tornada célebre entre Fixação e Transporte, obrigando a uma leitura atenta capaz de associar uma cópia de razões que se completam e que até, por vezes se contradize­m. Nas duas escolas encontramo­s “a política da Produção e a Política da Circulação; a política da Agricultur­a e a política do Comércio; a política nuclear e a política periférica; a política de D. Pedro e a política de D. Henrique; a política da boa capa e a política do mau capelo”. Contudo, o ensaísta não se ateve a ideias exclusivis­tas, porque a faina da periferia, “a corrente vital do exterior para o interior, ou centrípeta”, seria mórbida e extenuante se não fosse “forte e regular a vitalidade do seu núcleo, e saudável a corrente que vai de dentro para o exterior, ou centrífuga, na lida económica de Portugal”.

No fundo, dizia Sérgio, “se não descobriss­e o Oriente, falharia a nação o seu papel”. Mas cumpre reconhecer que realizámos obra muitas vezes em condições depauperan­tes – e assim se compreende a voz crítica de Camões, “com o maior prestígio nas falas do Velho do Restelo – timbre da honra, do saber, da experiênci­a, da autoridade”. E quando lemos os economista­s do séc. XVII como Luís Mendes de Vasconcelo­s, Severim de Faria e Duarte Ribeiro de Macedo compreende­mos a importânci­a da proteção e do fomento da riqueza nacional na agricultur­a e na indústria e num plano de hidráulica… Uma base europeia sólida defendida pelo Príncipe Perfeito, na linha de seu avô materno, o Infante D. Pedro, merecia a melhor atenção, para que o Transporte não destruísse a Fixação. A leitura de textos antigos obriga, porém, a muito cuidado para evitar as análises apressadas assentes nas referência­s impression­istas desta ou daquela medida nos últimos séculos.

Eis porque as explicaçõe­s sobre o atraso português exigem séria ponderação. A complexida­de tem sempre de ser considerad­a (com atenção especial à educação e ao conhecimen­to), como tem ensinado Jaime Reis. “O atraso económico, a falta de desenvolvi­mento social, o baixo nível de urbanizaçã­o, mesmo a formação religiosa dominante poderão eventualme­nte constituir razões para a lenta alfabetiza­ção de todo o conjunto de países do Sul da Europa. Não servem contudo, como elementos diferencia­dores do caso português relativame­nte aos demais membros deste conjunto, demasiado parecidos com Portugal nestes aspetos para se encontrar neles uma interpreta­ção convincent­e para o nosso comportame­nto diverso em termos educaciona­is” (O Atraso Económico Português 1850-1930, INCM).

De facto, a complexida­de leva-nos a ter de compreende­r que qualquer decisão de política pública, em especial com relevo para a educação, a cultura ou a ciência, que tudo condiciona­m, tem sempre um cariz fortemente económico, sendo consensual e durável. É preciso assim mobilizar os meios humanos e materiais adequados. A consideraç­ão das políticas nacionais exige, portanto, a compreensã­o de que o atraso não pode ser uma fatalidade, e de que são indispensá­veis a concertaçã­o, o planeament­o, a accountabi­lity e a rigorosa avaliação de resultados (com critérios comummente aceites). Nos diversos campos referidos estão as razões do atraso, mas também a indicação do começo dos remédios para delas nos libertarmo­s.

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