Amor & filosofia
Comédia romântica que analisa as fórmulas do relacionamento amoroso, A Natureza do Amor, da canadiana Monia Chokri, é um bem-vindo “estudo” dos eternos dilemas do coração.
Éna confusão de uma sala de estar que começa A Natureza do Amor. As crianças brincam e correm ao som dos desenhos animados, enquanto os adultos, sentados à mesa de jantar, têm uma conversa culta que envolve noções de bem/mal e Jean-Jacques Rousseau. A mulher do casal anfitrião é interpretada pela própria realizadora, Monia Chokri, e os convidados figuram como os verdadeiros intelectuais em cena: uma professora de Filosofia chamada Sophia e outro académico que com ela partilha um casamento confortável, mais parecido com uma amizade de longa data, assente em hábitos letrados e numa abordagem amena do sexo. Isto é, uma quase não abordagem, ponto.
Neste contexto, Sophia – a quem a atriz canadiana Magalie Lépine Blondeau confere uma composição desperta e donairosa – parece desamparada numa espécie de desejo feminino latente, que a meia-idade sublinha. Para corrigir a anomalia, aparece então o musculado Sylvain, um homem de sabedoria “concreta”, responsável pelas reparações do chalé recentemente comprado por Sophia e o marido, que transformará primeiro esse espaço em testemunha de uma noite escaldante entre ele, qual corpo versado em obras manuais, e a protagonista, que se entrega com avidez ao adultério... Tudo muito romance barato e paixão na casa do lago, sim, que num piscar de olhos se converte num estudo divertido sobre as relações amorosas e as incompatibilidades que sugam a química do amor consubstanciado pela carne.
E aí A Natureza do Amor, que tem o espirituoso título original Simple Comme Sylvain, esmera-se na interpretação das diferentes fases deste relacionamento à luz dos filósofos que Sophia leciona numa universidade sénior. De Platão a Schopenhauer, as aprendizagens do amor vão moldando uma comédia romântica ágil e sofisticada, capaz de explorar com uma linguagem direta as situações desconfortáveis, em que as evidentes diferenças de classe e conjunturas de mentalidade minam por dentro o idealismo do amor enquanto atração “simples” de dois corpos. Veja-se o momento em que Sylvain decide citar poesia: quando Sophie lhe pergunta se é Rimbaud, ele atribui os versos a Michel Sardou, personalidade da música popular francesa, aqui colocada ao mesmo nível do ilustre poeta maldito do século XIX...
Terceira longa-metragem da atriz e realizadora do Québec Monia Chokri, que conhecemos sobretudo do filme de Xavier Dolan Amores Imaginários (2010), esta revisitação da matéria eterna dos conflitos interiores adquire nuances trabalhadas ao pormenor, em particular, com uma atenção à temperatura das cores e um uso de zooms rápidos que não poderiam descrever melhor a energia, ao mesmo tempo, leve e pesada dos acontecimentos. De resto, Chokri sabe manusear o kitsch, tornando-o apelativo. Sem meios-termos, é um filme sexy, com um humor por vezes malicioso, que chega sem aviso e desconstrói a própria natureza suave daquilo que se entende por comédia romântica.