Diário de Notícias

José diz que foi concebido numa escaldante noite de 19 de Março, Dia do Pai, quando o seu progenitor regressou do mato, pelos vistos em brasa, vindo da caça grossa.

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dichotes brejeirote­s e ordinarote­s sobre o que de mais terá vindo ao de cima em Francisco no decurso daquele episódio doméstico, logo íntimo. Outrossim não entraremos na melindrosa questão de saber se Francisco Silva Vieira, apesar do retrato glamoroso que José traça da sua infância de privilégio, afinal era ou não era um simples e pobre motorista de praça em Tete, como afiançam muitos dos que lá viveram na época, logo rebatidos por José com um argumento imbatível: “Ele nunca esteve como chauffeur da alta sociedade porque a alta sociedade éramos nós.” Ainda assim, o “Conde” reconhece que o pai “transporta­va os homens para as minas e assumia-se como chauffeur”, supomos que para disfarçar a parentela real e todo aquele sangue azul, tal qual os aristocrat­as russos nas Paris dos anos 20, como na célebre novela de Max duVeuzit. Nos intervalos, Francisco, “um Don Juan”, manteve tórrida relação com uma “branca de pé descalço”, não por acaso chamada Maria dos Pés Queimados, de quem teve um filho, Jorge, hoje residente em Braga e meio-irmão de José, por quem esteve tem “a maior das simpatias”, não sabemos se recíproca.

Entre as reminiscên­cias da infância de “Betinho” avultam ainda, a saber: o uso de bugigangas e de umas calças La Finesse quando tinha nove anitos; a aparição fugaz de uma cabrinha de nome Lady, que adivinhamo­s alma gémea ou alter ego do seu dono; uma queda no tanque de criação de crocodilos dos primos Emanuel e Matilde, felizmente sem gravidade; a primeira vez que viu lantejoula­s (numa digressão do Circo Mariani), essa, sim, com efeitos graves, que ainda hoje perduram, e, sob o olhar atento da PIDE, que andava no encalço do mano Sérgio, as inocentes brincadeir­as políticas com o primo Tó Zé, este fazendo de Marcello Caetano e José nas vestes de Américo Thomaz (o que, não desfazendo, devia ser lindo de ver). Pela casa de família, em jeito de África Minha, versão Tete, havia batalhões de criados, como é evidente, com quem José, num assomo interclass­ista, chegava a partilhar refeições, motivo pelo qual ainda hoje adora os temperos mais puxadotes, como o caril e o piripíri.

Aos 12 anos veio viver para Portugal, estudando como interno no Colégio Valsassina, onde, além de muitos carolos na cabeça e contumazes assédios nocturnos (“à noite queriam todos comer-me”), ganhou os epítetos de “Lulu” ou “A Preta”. Os fins-de-semana passava-os na casa da tia Nené, em Campo de Ourique, e na residência da tia Maria Amélia, em Cascais, com cujas amigas passava as tardes jogando bridge e tomando chá, todas na quadrilhic­e. Depois foi para Coimbra, para o Colégio de São Pedro, mas da Lusa Atenas recorda apenas, por um lado, uma criada gorda

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