Clive Owen ou o charme discreto dos detetives clássicos
Nova minissérie de drama policial, Monsieur Spade pega na personagem que Humphrey Bogart interpretou em Relíquia Macabra e dá-lhe um caso tardio em terras francesas. Clive Owen é Sam Spade nesta realização de um dos criadores de Gambito de Dama. Estreia-s
E se Sam Spade fosse viver para França? Eis a hipótese de
Samuel Spade é uma criação literária de Dashiell Hammett, por muitos considerado o pai do romance policial americano, que sobre essa personagem disse: “Spade não tem original. É um homem de sonho, no sentido em que é o que a maioria dos detetives com quem trabalhei gostaria de ter sido, e aquilo de que alguns deles pensam ter-se aproximado nos seus momentos mais arrogantes.”
Nesta declaração de 1934, Hammett acrescenta ainda que Spade não é um erudito na resolução de mistérios, ao estilo de Sherlock Holmes, antes um tipo duro e astuto que se safa em qualquer situação. Assim o entenderam também Scott Frank (criador de Gambito de Dama) e Tom Fontana (Oz), que recuperaram o detetive encarnado no grande ecrã por Humphrey Bogart em Relíquia Macabra (The Maltese Falcon, 1941, de John Huston), incumbindo Clive Owen de dar à personagem um charme de lenda, algo que recuperasse a ideia de clássico noir quase só pela evocação de um nome. É verdade que Spade nunca mais teve um intérprete tão memorável como Bogart, mas Owen assume aqui, pelo menos, o seu melhor papel dos últimos anos.
Monsieur Spade, a minissérie de seis episódios que amanhã chega, em exclusivo, ao TVCine Edition (22h10), parece partir efetivamente desta noção de que Samuel Spade, mais conhecido como Sam Spade, contém uma qualquer reserva criativa inexplorada. O que implica esclarecer desde já: não se trata de uma nova adaptação de Falcão de Malta (1930), nem de outra novela policial de Hammett, mas sim de uma história original, uma nova roupagem que usa a referência ao passado do detetive de São Francisco para trazer mitologia à figura, e imaginar acontecimentos depois da morte do seu autor (Dashiell Hammett morreu em 1961, e a maior parte da ação de Monsieur Spade decorre em 1963).
Esta produção apadrinhada por Barry Levinson, com todos os episódios realizados por Scott Frank, começa então em 1955, com a chegada de Spade a Bozouls, no sul da
OFrança, onde se dirigiu para cumprir a promessa de entregar uma criança, Teresa, filha de uma mulher falecida, à família do pai, Philippe Saint-André. Sam saber que esse pai não é gente recomendável, mas limita-se a corresponder ao pedido que lhe foi feito, acabando, no fim de contas, por ter mesmo de deixar a menina ao cuidado das freiras de um convento na pequena cidade.
O que era apenas uma missão passageira torna-se um plano de reforma quando Sam se cruza com a bela Gabrielle (Chiara Mastroianni), uma dama local abastada que o prende àquela paisagem com um simples diálogo airoso... partindo demasiado cedo da sua vida. A série avança oito anos e reencontramos o detetive americano na condição de viúvo, já arranhando um francês adquirido na vivência doméstica.
É por essa altura que uma tragédia se abate na comunidade, com o assassinato brutal das freiras do convento onde estava Teresa, envolvendo um menino argelino (a “relíquia”, neste caso) que interessa a um grupo diverso de pessoas, dando início a uma investigação que tem Philippe Saint-André como suspeito número um.
Nesse processo, como quase sempre nos bons dramas policiais, é o xadrez das personagens secundárias que anima os episódios: o notável Denis Ménochet dá corpo e graça ao chefe da polícia local, formando uma espécie de dupla com Sam/Clive Owen; há a dona de um clube de jazz, que fala suavemente com o protagonista, e o marido dela, veterano da Guerra da Argélia, que esconde qualquer coisa; e ainda uma parelha britânica bastante duvidosa que garante um toque excêntrico.
No centro da história está também a paternidade rabugenta que Sam Spade acaba por representar para a adolescente Teresa (Cara Bossom), que, por sinal, o leva muitas vezes a recordar Gabrielle – esses flashbacks da sua relação amorosa são dos traços mais delicados desta ficção noir de prestígio, funcionando como interlúdios que permitem aceder à visão romântica de uma personagem eminentemente sarcástica e de reação severa. Se esses flashbacks não existissem, talvez os momentos em que o vemos a nadar nu na piscina de casa ou a ser exigente com a omelete que lhe é servida numa esplanada tivessem outro significado.
O poder da presença
Monsieur Spade revisita uma lenda para lhe oferecer um retrato maduro, ainda que bem ritmado, seja nas palavras ou no mais elementar da ação. E para que isto resultasse era preciso um ator capaz de navegar a agradável indefinição de Sam Spade; como já aqui se referiu, não estamos a falar de um Sherlock Holmes, com características vincadas, mas sim de um homem que depende mais da postura e do ato do que do exibicionismo da mente. Com o seu olhar analítico, secura melancólica e descontraída, Clive Owen é esse homem, um intérprete que, por si só, recupera carisma através do cuidado artesanal com que enverga a personagem, sem tentar uma imitação de Bogart. O que não terá escapado também ao trabalho dos criadores.
Tem piada aliás que, ao passar os olhos pelas páginas de O Falcão de Malta (edição Livros do Brasil), alguns detalhes físicos de Sam Spade sejam tão diferentes de quem lhe deu a eternidade. Veja-se: “O detetive tinha à vontade um metro e oitenta de altura.” Ora, Humphrey Bogart tinha pouco mais de um metro e setenta... Prova de que a estatura de um homem, ou o poder da sua presença, está para além disso. Embora Owen, sim, tenha um metro e oitenta e oito, e um inequívoco ar de detetive quando usa o chapéu e casaco certos.
Não terá sido, de resto, uma questão muito relevante. Mas isso e as brincadeiras com o universo de Hammett – como o facto de a mãe falecida de Teresa se chamar Brigid O’Shaughnessy, justamente o nome da personagem feminina no centro de The Maltese Falcon – tornam mais delicioso o jogo de memória, e a consciência de que este Sam Spade não veio de Marte. Veio de São Francisco e é objeto de fascínio nas conversas de café da sua terra.
Desde há alguns anos, tenho participado no júri de um prémio literário instituído pela Câmara Municipal de S. João da Madeira, prémio para livros de poesia inéditos, de seu nome Prémio João da Silva Correia.
Este ano (sem desprimor para os anteriores premiados) surgiu-nos um notável e original livro de poemas, que, a meu ver, merece ter a maior divulgação.
Estes Manuscritos do Mar Báltico, do poeta que prefere chamar-se Francisco Teixeira Lopes, constituíram uma surpresa e uma descoberta.
A poesia, ensinou-nos Pessoa, é uma forma de despersonalização (Emily Dickinson dizia mesmo que “o poeta é um ser suposto”). Antes do poeta dos heterónimos, essa despersonalização da lírica conheceu antecedentes, menos radicais que o seu “drama em gente”, nos chamados “poemas dramáticos” dos vitorianos ingleses (Browning, Tennyson), em que o poeta entrega a sua voz a uma personagem, real ou imaginária, que conduz a voz lírica na construção dessa personagem, da sua história e dos seus pensamentos.
Deste modo, Francisco Teixeira Lopes, nome que é já um pseudónimo, constrói nos seus admiráveis poemas uma voz ficcional feminina, que nos fala da lonjura dos países bálticos e da sua História que, como a de toda a Europa Oriental, é marcada pelas cicatrizes deixadas pelos massacres dos judeus perpetrados pelos nazis alemães, com a cumplicidade de muitos antissemitas locais, pela memória asfixiante da dominação soviética e do seu quotidiano de mentira e servidão, por tudo de que foi feita a História e a memória recentes daquelas nações à beira do Mar Báltico.
Irina Rodrigues, a personagem deste poema dramático, suposta autora dos poemas, conta-nos, em textos duros e sem contemplações, a sua história, desde rapariguinha até à mulher de 60 anos que escreve os poemas.
Esta é a criação de um poeta de grande rigor na escrita, ligado a um profundo conhecimento da História, que nos vem deixar aqui uma homenagem, de grande subtileza, que não exclui o horror, a esses povos do Báltico e a tudo aquilo que atravessaram, sofreram e até mesmo perpetraram, pois não há povos inocentes.
E, na verdade, tudo no texto poético-dramático de Francisco Teixeira Lopes segue, sem falhas, este pressuposto biográfico, criando uma poderosa ficção histórica em forma de poesia. Assim explica o autor esta dupla despersonalização:
“Estive a reler o texto, escrito entre 2011 e 2012, depois de duas grandes viagens pela zona do Báltico em que criei uma persona feminina para escrever estes poemas, seguindo o exemplo de outros poetas que criaram personas literárias a partir das suas experiências de fluidez e de errâncias geográficas e políticas.”
Ouvida a explicação do autor para a sua rede de pseudónimos, construída não no modo propriamente dramático dos heterónimos de Pessoa, mas antes como uma sucessão de poemas dramáticos, no sentido dos de Browning ou Tennyson, em que uma personagem ficcional, esta Irina Rodrigues, frontal na sua dureza e às vezes brutal na sua expressão, nos vem transmitir as duras e amargas realidades da sua vida e da sua história, podemos ler estes poemas, um a um, presos à “suspensão da incredulidade” que nos pede este jogo de pseudónimos, mas não menos atentos à realidade histórica evocada.
Estes Manuscritos do Mar Báltico constituem uma revelação para a nossa poesia. A sua escrita tensa e rigorosa, a sua capacidade de alusão e de intensificação de realidades que conhecemos de longe, aliam-se a um conhecimento invulgar da grande poesia russa, que acompanha constantemente o percurso da “persona” Irina Rodrigues.
Francisco Teixeira Lopes, pseudónimo de um poeta a descobrir!
(Manuscritos do Mar Báltico, Âncora Editora, Lisboa, Maio de 2024)
Basta um relance para perceber que o novo Huawei Watch Fit 3, recém-chegado ao mercado nacional, tem um design inspirado no AppleWatch (mais concretamente, no modelo SE). O que não tem mal nenhum. Desde logo, porque sendo a marca da maçã fechada ao seu próprio ecossistema, é ótimo existir uma opção de smartwatch de qualidade em design “quadrado” para os utilizadores Android; depois, uma vez que este aparelho também é compatível com o iOS e custa uma fração do preço do que a Apple pede pelos seus relógios – 159 euros contra 290 euros na versão mais barata do SE – também pode ser uma solução para um utilizador iPhone que não queira gastar tanto dinheiro.
E ainda que, neste último cenário, haja, de facto, um nível de integração de sistemas relógio/telefone que apenas o Apple Watch permite fazer, há algo que quem opta pelo Huawei fica a ganhar: a autonomia do aparelho. A marca chinesa refere até 10 dias, mas desde que se use o ecrã sempre ligado e outros serviços que gastam muita bateria. Na nossa experiência de mais de uma semana com o relógio, mesmo com estas funções ativadas só foi necessário carregar ao fim de uns cinco dias. A autonomia do Apple Watch SE são 18... horas.
A não tão grande integração com o telefone aplica-se igualmente aos Android. Por exemplo (e tal como acontece com todos os outroswearables Huawei que testámos) ao “limpar” as notificações no relógio estas não desaparecem no telefone – nem há forma de o programar. Aliás, não há qualquer forma de fazer facilmente com que o Huawei espelhe o que acontece no smartphone. Há quem prefira (já mo disseram, manter as notificações no telefone é a forma de não esquecer coisas importantes), mas não é o nosso caso.
Também por a Huawei não ter acesso aos serviços Google, são praticamente inexistentes as apps comuns de outros serviços, mesmo os mais comuns, como o Spotify oficial, oWhatsApp ou o Slack. É possível controlar a música do telefone, desde que este esteja ao pé de si (via Bluetooth) e o relógio tem um leitor de áudio incorporado, é só. E não é de todo possível responder às mensagens daquelas apps pelo relógio, como permite fazer, por exemplo, o Google Pixel Watch 2 – que custa mais do dobro e... é redondo.
Também continua a não ser possível utilizar o pagamento eletrónico da Huawei em Portugal, pelo que não dá para fazer pagamentos com o relógio, e a assistente digital apenas funciona desde que o relógio esteja emparelhado com um smartwatch da Huawei
100 exercícios e excelente monitorização
Onde o HuaweiWatch Fit 3 se destaca é ao nível da monitorização de saúde e de exercício físico. A marca chinesa colocou neste modelo todo o extenso know-how nesta área, que funciona aqui – tanto quanto fomos capazes de perceber – ao nível dos modelos mais caros do fabricante.
No exercício, por alguma razão este relógio se chama “Fit”: traz uma centena de exercícios pré-programados, incluindo demonstrações de aquecimento, alongamentos, etc. Dificilmente não encontra aqui uma atividade física para si, dentro ou fora de água – o relógio pode mergulhar até 50 metros.
Todas estas atividades são geolocalizadas por GPS (de apenas um canal, mas de ligação suficientemente rápida para não aborrecer) e monitorizadas por sensor de ritmo cardíaco (claro) e SPO2 – verificação de oxigenação do sangue.
Estes dois sensores (além do acelerómetro, naturalmente) são também utilizados nas medições de níveis de saúde, como os de stresse e sono. Destacamos este último: o TruSleep da Huawei, que já conhecemos de outros modelos, é um sistema de Inteligência Artificial integrado na app Health que processa os dados captados pelo relógio e os processa de forma “fina”, não apenas dividindo as fases do sono e ritmo cardíaco como monitorizando mesmo – nesta versão 4.0 – a frequência respiratória. Os resultados são agora resumidos em pequenos relatórios de fácil leitura.
Com um hardware quase irrepreensível – ainda que o carregador pudesse ser melhorado, é magnético, mas muito estreito e“salta” com facilidade – a fazer correr de forma muito fluida uma versão bem desenhada para wearables do HarmonyOS, é mesmo muito fácil recomendar esteWatch Fit 3.
A qualidade de construção, para o preço, é excelente e olhar para ele é um prazer, desde que se goste do tipo de design. O ecrã AMOLED de 1,82 polegadas, com um rácio corpo-display de 77,4% e um brilho anunciado de 1500 nits responde bem ao toque e tem uma qualidade que impressiona. E até fazer chamadas através do relógio, para quem gosta do género, é uma experiência de qualidade, uma vez que o altifalante incorporado torna o dispositivo um “alta-voz” Bluetooth perfeitamente eficiente.
Os 3,2 × 36,3 × 9,9 mm fazem deste relógio um modelo de dimensões apropriadas para quase todos os pulsos, masculinos ou femininos, e os apenas 26 gramas de peso (sem bracelete) tornam-no muito confortável, mesmo durante a noite, a dormir.
Caso as limitações atrás mencionadas não lhe façam diferença – e para um aparelho deste preço já muita coisa este relógio inclui – este é sem dúvida uma excelente alternativa ao Apple Watch SE. Ou a quase
qualquer outro smartwatch.
A qualidade de construção, para o preço, é excelente e dado o incrível ecrã, olhar para ele é um prazer – desde que se goste do tipo de design.