Diário de Notícias

Sónia Duarte Pintura barroca em Portugal fez historiado­ra palmilhar mais de 300 concelhos

Até junho, a Academia das Ciências de Lisboa leva a debate A Arte do Azulejo em Portugal”, num ciclo de conferênci­as online, de acesso livre. A 22 de maio (18.00), Sónia Duarte, investigad­ora nas áreas da História da Arte e da Musicologi­a e docente na Uni

- ENTREVISTA JORGE ANDRADE

É autor ada primeira base de dados de pintura barroca em Portugal com incidência na iconografi­a musical. Qual oalcan cedestes eu proje to? Este projeto foi concretiza­do no âmbito do meu doutoramen­to em História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa. Trata-se do primeiro levantamen­to nacional de imagens de música pintadas e incidiu no tempo do Barroco. Na verdade, faço a ponte entre o Maneirismo e os alvores do Rococó. É um trabalho lógico que vem no seguimento das investigaç­ões que venho a desenvolve­r nos últimos anos e que visa o cruzamento da História da Pintura com a História da Música em Portugal. Retratos de músicos, cenas de dança, levantamen­to de instrument­os musicais e de notações, ambientes musicais, agrupament­os vocais e instrument­ais estavam pintados e precisavam de outros modos de ver, de novos níveis de leitura. Agora, apresentou-se a primeira base de dados customizad­a e informatiz­ada, a primeira de pintura com iconografi­a musical em Portugal. Dito de outra forma, cada pintura [a fonte primária] é analisada tendo por base a fonte secundária [gravura, desenho, outras pinturas] e associada a 27 campos de trabalho,

por exemplo, instituiçã­o, número de inventário, fortuna crítica, dimensões, autoria/escola, técnica, data, descrição. Trata-sede um proje toque a levou, ao longo de seis anos, a centenas de concelhos portuguese­s.

Sim. Palmilhei mais de 300 concelhos, vendo e fotografan­do pintura, muita dela, ainda, inédita. Permitiu-me também ter uma noção exata do estado de conservaçã­o das pinturas, do desapareci­mento de outras, e até ver pintura anónima a que atribuí autoria. O projeto contou sempre com a orientação do professor Vítor Serrão, com a coorientaç­ão do professor Manuel Pedro Ferreira, com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o Artis – Instituto de História da Arte, com centenas de guardadore­s de chaves e de memórias, de párocos, zeladores e zeladoras, de técnicos e assistente­s dos museus. Lidei também com a inércia de alguns poucos funcionári­os de museus, e pude privar de perto com funcionári­os de museus ótimos que sabem fazer e compreende­m que sem os investigad­ores em campo o estudo da História da Arte seria, ainda hoje, mais incipiente. O trabalho de campo permitiu-me resolver, em parte, um problema que continuava a existir: saber que iconografi­a musical há em Portugal. Tem-se escrito algumas coisas sobre o tema, mas continua a não haver um inventário: como se faz um estudo, sem um inventário? Apresento seis mil motivos em mais de mil pinturas do largo tempo do Barroco, resolvendo esse problema: Que pintura há? Onde está? Qual o estado de conservaçã­o? Que motivos musicais estão representa­dos? São motivos reais ou simbólicos? Naturalmen­te que são, na sua esmagadora maioria, simbólicos, como explano nas quase três mil páginas de tese de doutoramen­to Imagens de música na pintura do tempo do Barroco em Portugal (1600-1750).

Tão longo périplo motivou descoberta­s e revelações. Quer contar-nos alguns episódios?

A maioria do trabalho de campo foi feito com o meu filho Gonçalo, que nasceu por entre as folhas da tese e que com a mamã palmilhou e fotografou as pinturas. Num dos episódios, visitei a Igreja de Gondesende, Bragança, para fotografar uma gaita de foles. Fui muito bem recebida pela zeladora que havia estado a vindimar. Abre-me a porta e diz: “Olhe, nós andamos a procurar a gaita de foles e o adufe na sacristia, no coro-alto, mas não há sequer memória da existência de tal coisa. Mas pode ver.” Entrei e olho imediatame­nte para a gaita de foles e o adufe, mesmo à minha frente. A zeladora, ficou confusa com o meu entusiasmo. Apontei e disse: “Está ali”. Acrescente­i rapidament­e: “Esqueci-me foi de dizer que a gaita de foles estava pintada no tema da Natividade.” Ela pegou no telefone e os locais que estavam a vindimar acorreram à igreja para ver o que, há vários anos estava diante deles, mas nunca haviam achado valor. Tenciono reescrever, um dia, as memórias de campo e as fotografia­s aos detalhes, à ruína a que fui assistindo de alguns cenóbios, algumas conversas. Tive uma zeladora, que visitei mais do que uma vez, no Alentejo, em Alvito, que me pediu se lhe mandava uma fotografia nossa. Nunca tinha visto o seu rosto numa fotografia.

Propôs pela primeira vez um ensaio determos musicais para o Barroco em Portugal. Como se consubstan­ciou esse ensaio?

Olhei para todos ostr aba lhostrans disciplina­res, para outros mais ou menos qualquer coisa, que se foram fazendo em Portugal, e apercebi-me que a lacuna nunca tinha sido resolvida. Sei bem que o professor David Cranmer havia submetido dois projectos, que não tiveram parecer positivo. Sabia que não havia um dicionário de termos musicais para este temcomo po em apreço. Comecei a colocar-me questões. Como se chama a alguém que dança no tempo do Barroco? Como se chama a alguém que dá ao fole? Como se chama um violoncelo em Portugal no largo tempo do Barroco? As respostas surgiram após meses na Torre do Tombo, na Biblioteca Nacional de Portugal, no Arquivo da Irmandade de Santa Cecília, e comecei, assim, a compilar em definitivo e a colocar o termo lado a lado com as imagens de música que fotografei em Portugal. Como contextual­iza o azulejo nesta sua abordagem singular ao território? O azulejo é uma manifestaç­ão artística de grande relevo, que exerce fascínios e que merece ser memoriada. Há dias, abordei os primórdios do azulejo em Portugal, numa das unidades curricular­es que leciono na Faculdade de Letras da Universida­de do Porto. Notei que os alunos querem saber mais sobre esta arte para além de Jorge Colaço [Estação de S. Bento] ou Júlio Resende [Ribeira Negra]. No terreno, creio, ter levado à abertura de uma janela azulejar para se revelar um alaudista pintado a fresco na parede testeira de uma igreja. Mas, mais importante que isso, pude fotografar dezenas de azulejos de norte a sul do país, incluindo ilhas. Conclui que a fonte secundária que serve de modelo em oldeàpintu­raéa mesma que se usa pelos pintores de azulejo. Por vezes é copiada na íntegra, outras vezes citada.

Em particular, o que nos pode contar a propósito da intervençã­o que leva à conferênci­a: Fontes e modelos para o estudo da imagem musical, sacra e profana, na pintura do azulejo em Portugal no século XVIII?

Irei responder, por imagens tiradas in situ, oqueéaicon­ogr afia musical, qual a sua função, qual a metodologi­a de trabalho que u sopa rachegarà ter mino logia,àfon te primária ouàfon te secundária. Mostrarei em que ponto de situação estão os estudos das imagens de música em Portugal. Concretame­nte, mostrarei fontes gravadas de Jacob de Gheyn II [para o debuxo de Santa Cecília], da incidência de cópias de Jan Muller, H.Wierix, Bonnart I, Pieter de Jode I, entre tantos outros, que se repetem nos azulejos. Vou demorar-me em pintores como Pasquale Parente que copia modelos gravados de Johannes Sadeler, por sua vez citado nos azulejos de Alcanena (o azulejo subtrai sempre à fonte).Vou demorar-me, também, no refeitório de um cenóbio, mais propriamen­te numa alegoria onde Cupido atinge um alaudista que canta os seus amores e desamores. Deixarei comentário­s sobre azulejos que fotografei no país, entre eles, os de um cenóbio em Tábua que faz hoje parte da cripto-história da arte, sublinhand­o a importânci­a do registo fotográfic­o e de medidas para a salvaguard­a do património.

Acesso à conferênci­a Link: https://videoconf-colibri.zoom.us/j/9483994625­0 ID Reunião: 9483994625­0

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