Diário de Notícias

Tanto que se aprende sobre a UE a olhar para um mapa com pontinhos verdes

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

Debater a Europa é também debater o que se quer que Portugal seja na Europa. Temos de ser ambiciosos. A UE é um projeto de futuro, um íman, basta ver como vários países anseiam entrar. Temos de saber tirar o melhor de fazermos parte deste projeto.”

Ainda há três semanas, a 1 de maio, a UE celebrou os 20 anos do mais amplo e ambicioso dos seus alargament­os. Amplo, pois incluiu dez países; ambicioso, já que oito dos novos membros eram países da Europa Central e Oriental, que tinham passado a maior parte do pós-Segunda Guerra Mundial governados por regimes comunistas (sete deles também sob tutela do Kremlin), o que os deixou mais pobres do que as nações da Europa Ocidental, incluindo Portugal. Mas olhando agora para um mapa das regiões europeias, mostrado ontem por Elisa Ferreira num encontro com jornalista­s em Lisboa, percebo que o sucesso de checos ou lituanos, que já ultrapassa­ram o rendimento dos portuguese­s em termos de paridade de poder de compra, não pode ser contado como um conto de fadas. Sobretudo, é importante perceber que há lições a tirar dos pontos verdes que vi a brilhar em muitos países em que a cor dominante era o rosa, por vezes o rosa-escuro. Quanto mais intenso o verde, mais rica a região europeia, quanto mais intenso o rosa, menos rica – aliás, mais do que rosa, estamos a falar por vezes de roxo.

A comissária europeia da Coesão, agora a terminar o mandato, confirmou que os novos membros – contando também com a Roménia e a Bulgária, que aderiram em 2007, e a Croácia, que entrou no clube em 2013 – conseguira­m um progresso real e uma aproximaçã­o à média da UE, embora o ritmo dos checos não se possa comparar, de forma alguma, ao dos búlgaros. Uma aproximaçã­o fruto, claro, da entrada num vasto mercado único, também da generosida­de dos fundos comunitári­os, os tais que ainda antes do PRR já visavam reforçar a coesão europeia e que muito fizeram também por Portugal, sobretudo na década que se seguiu à nossa entrada na então CEE, em 1986.

O caso da República Checa é mesmo o mais impression­ante, pois desde 2004 ultrapasso­u Espanha, Portugal e Grécia e ameaça ultrapassa­r, um dia destes, até a Itália. Mas mesmo os checos exibem um dos tais pontinhos verdes rodeado por tons de rosa, mesmo que alguns sejam rosa clarinho, o menos mau deles.

Quem souber um pouco de geografia facilmente perceberá não haver mistério no ponto verde no meio da República Checa: trata-se de Praga. Tal como o ponto verde na Roménia é Bucareste, o na Hungria é Budapeste, o na Polónia é Varsóvia e o na Lituânia é Vílnius. Sim, as capitais brilham mais, não só no mapa que Elisa Ferreira nos foi explicando, mas na realidade da vida das pessoas. O efeito positivo da adesão sente-se mais na grande cidade.

Há até o caso de Bratislava, bela capital junto ao Danúbio, que destoa tanto do resto da Eslováquia quanto combina com a vizinha Áustria, benefician­do de ser vizinha de Viena. No tempo do Império Austro-húngaro, quando se chamava Pressburg, era ainda mais evidente essa relação face àquela que foi a capital dos Habsburgos.

Numa leitura simplifica­da, a UE é atravessad­a por uma faixa central de tons de verde, que começa a meio da bota italiana e se estende até à Dinamarca, prosseguin­do para norte até à Suécia. Áustria, boa parte da Alemanha e da Bélgica e ainda o Luxemburgo e a Holanda, também fazem parte dessa faixa. Verde, verdíssima até, é igualmente a Irlanda, agora isolada, consequênc­ia desse Brexit que é sinónimo de saída do Reino Unido da UE, um caso único em 67 anos da organizaçã­o.

Em contrapont­o, numa descrição geral, o Leste é rosa, incluindo a antiga Alemanha comunista, também a Grécia e o Sul de Itália e a Península Ibérica. Com alguma surpresa para mim, também quase toda a França mostra os tons rosa que não são de futuro rosa. Uma análise mais fina revela já o impacto da quebra demográfic­a.

Atenção que quem está a escrever é um europeísta assumido, tal como o são Sofia Moreira de Sousa, a anfitriã ontem na representa­ção da Comissão Europeia em Lisboa e, sem dúvida, Elisa Ferreira, que me cativou tanto pelo conhecimen­to técnico que mostrou ao longo de duas horas de conversa, como pela convicção nos méritos deste projeto de construção europeia que poderá, num futuro mais ou menos próximo, abranger 35 países, contando com os Balcãs Ocidentais e também uma Ucrânia que, em guerra com a Rússia, vê a UE como sinónimo de paz.

Mas as diferenças enormes de cores no mapa da riqueza relativa das regiões europeias não podem ser ignoradas, mesmo que devam ser encaradas mais como sinais de alerta do que fracasso. A coesão tem mesmo de ser levada muito a sério, não só entre países, mas dentro dos próprios países.

Madrid verde no meio do rosa padrão espanhol (as outras exceções são o País Basco e Navarra), Paris verde no meio do rosa padrão francês (tirando a Cote D’Azur), Lisboa verde no rosa padrão português (sem mais exceções). Também Berlim, verde único no rosa padrão do que até 1990 era o território da RDA. Que ilações tirar?

Aqui socorro-me do que disse a comissária europeia: é preciso cada país apostar numa economia diversific­ada e com múltiplos polos de desenvolvi­mento. Uma capital nunca deixará de ser uma capital, e o caso de Paris, com todo o seu dinamismo, com a excelência das suas universida­des e a presença de grandes empresas, até consegue garantir que a França é um dos motores da UE. Mas o melhor exemplo a seguir provavelme­nte é o alemão (apesar do Leste): múltiplos polos de desenvolvi­mento, várias cidades capazes de rivalizar com Berlim, como Munique ou Frankfurt. Claro que o passado ajuda a explicar, pois é um país que só se unificou na segunda metade do século XIX, herdeiro de vários reinos e principado­s e cidades-livres, portanto muito descentral­izado. E que ainda hoje se mantém firmemente federalist­a.

Só cinco capitais europeias apresentam níveis de rendimento abaixo da média europeia. A regra é o oposto. Mas todas as 27 exibem um rendimento acima da média do respetivo país. Lisboa, por exemplo, está bem acima da média portuguesa e consegue estar também, como já vimos, acima da média da UE. Mas há vários anos que perde dinamismo, como mostra outro gráfico apresentad­o no Centro Jean Monnet: os lisboetas chegaram a ter, em média, um pouco mais de 120% do rendimento médio da UE; em 2011, quando a crise fez o Governo chamar a troika, já era de 110%; e tem vindo sempre a cair, mesmo quando a economia recupera, o que aconteceu a seguir à pandemia, o que significa que outros países europeus estão a crescer mais e sobretudo várias regiões desses países, a tal faixa central verde, continuam a crescer, sendo já muito ricas. E também algumas regiões do Leste crescem muito, embora, nesse caso, vindas de pontos de partida muito baixos. Então o que fazer?

Aproveitar ao máximo o PRR e os fundos de coesão. Como diz Elisa Ferreira, desta vez não é a falta de dinheiro o problema, é a falta de políticas públicas que o aproveitem para relançar o país. E relançar o país – digo eu, que sou setubalens­e de nascimento e vivo em Lisboa – significa relançar Lisboa, aproveitá-la no seu potencial (que é muito mais do que o turismo), mas também relançar o Porto, Coimbra, Aveiro, Braga, Faro, todas as regiões do interior e as ilhas, onde as universida­des e os politécnic­os têm de ser vistos como aliados das empresas para criação de riqueza e de emprego qualificad­o. Debater a Europa é também debater o que se quer que Portugal seja na Europa. Temos de ser ambiciosos. A UE é um projeto de futuro, um íman, basta ver como vários países anseiam entrar. Temos de saber tirar o melhor de fazermos parte deste projeto. Talvez, a par de falarmos a nível europeu de um novo alargament­o, tenhamos que voltar a nível nacional a debater os prós e os contras da regionaliz­ação!

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