Virginie Efira – que mãe coragem!
Está já em exibição Nada a Perder, de Delphine Degolet, mais uma masterclass da nova grande estrela do cinema francês: a atriz belga Virginie Efira, aqui em modo de mãe guerreira num drama sobre as novas famílias. Conversa no Festival de Cannes do ano passado.
Será este o Listen francês? O ano passado em Cannes, Nada a Perder, primeira obra de Delphine Deloget, chamou a atenção na secção oficial paralela, Un Certain Regard. O caso de mãe solteira que trabalha num bar que é obrigada a uma batalha legal para manter a posse dos filhos, depois de um deles ter tido um acidente doméstico na sua ausência.
Um filme feminista e de brava intensidade emocional, todo ele sustentado num realismo seco e áspero. Rien a Perdre é um daqueles exemplos de um cinema francês independente que é firme na sua forma, um despudor autêntico. Ao mesmo tempo, é um filme conduzido pela presença febril de Virginie Efira, a atriz belga que conquistou o cinema francês com filmes como Benedetta, de Paul Verhoeven, ou Na Cama com Victoria, de Justine Triet. Uma mãe coragem de meter respeito.
Por ser mãe percebeu melhor o comportamento desta mulher que luta até aos impossíveis pela guarda dos filhos?
Sem dúvida! Como muitos pais, ela é alguém que faz o melhor possível para educar os seus filhos. Depois de cometer um erro ligeiro, o sistema ataca-a e torna-se uma caricatura. Esta mãe é alguém que não pensa muito antes de fazer as coisas. Se julga que tem razão, faz! Tem emoções demasiado elevadas!
Não ficamos com uma boa ideia destes Serviços Sociais...
Mas o filme não é contra os Serviços Sociais. Ainda bem que na maior parte das vezes eles intervêm. O que se passa é que esta mãe não consegue colocar-se no lugar da senhora dos Serviços Sociais e vice-versa. A realizadora do filme não tem um ponto de vista a
“Em França temos a sorte de, no cinema de autor, estarem a surgir muitas mulheres. Fazer cinema com mulheres é ótimo, pois elas podem abordar com intimidade os seus temas. E estão a surgir novas temáticas!”
dizer que esta ou aquela tem a razão... Nada é aqui feito com manipulação. O espectador que seguir a minha personagem vai perceber por dentro a sua determinação, vai colocar-se no lugar de uma mãe solteira. Fico com a sensação de que as pessoas acham sempre que as mães solteiras têm de ter uma força superior às outras. Em França, a maioria das mães monoparentais não têm direito a pensão alimentar, estão sozinhas e acabam por ser alvo de um certo julgamento pela sociedade. É a tal coisa: fazem o que podem. Ser mãe e pai ao mesmo tempo é complicado. Mas ser mãe, mesmo numa família clássica, é tudo menos fácil e não há nenhuma fórmula para sermos os pais perfeitos.
Escolhe os papéis também em função dos temas?
Sim, um dos grandes papéis do cinema é representar o mundo contemporâneo. No cinema, interessa-me explorar o que é isso de ser mulher hoje, agora! A mulher nas suas relações com os homens, com os filhos, etc. É importante essa reflexão.
Foi coincidência ultimamente ter feito cinema com cineastas femininas?
Em França, temos a sorte de, no cinema de autor, estarem a surgir muitas mulheres. Fazer cinema com mulheres é ótimo, pois elas podem abordar com intimidade os seus temas. E estão a surgir novas temáticas! Curiosamente, se quisermos encontrar mulheres a realizar filmes com orçamentos maiores já não é tão fácil.
Cada vez há mais filmes franceses a chegarem às salas. Não está a indústria a exagerar na oferta de títulos?
Isso é uma verdade, mas não sei o que pensar... Tudo está a mudar neste negócio, e a toda a hora. A própria proposta da ficção já não é o que era e a indústria também se faz com a ficção televisiva e a que chega ao streaming. Às vezes, filmes muito bons não chegam ao público e temos de encontrar melhores maneiras de fazer a promoção. Em França, temos sorte de ter o sistema de financiamento estatal do CNC, que não necessita de rentabilidade. Isso permite que o cinema fique livre e muito criativo. Sabe, gosto muito de ver cinema e, por vezes, fico triste por ter falhado este ou aquele filme, sobretudo aqueles que não ficam em exibição na semana a seguir. Isto é uma indústria, e os filmes têm de dar lugar uns aos outros. Eu, como parte desta indústria, tento escolher projetos ambiciosos, pessoais e a pensar no público. Mas é uma chatice os filmes que não têm vida suficiente nas salas. Tenho tido sorte – Só Nós Dois, de Valerie Donzelli, foi um sucesso de público. Isso é muito bom! Prova que ainda há um desejo para se ir às salas, para se partilhar a experiência do cinema.
Tem dito que foi bom para si não ter tido sucesso como atriz tão cedo. O que teria acontecido se tivesse singrado mais jovem? Sinto que não estava preparada aos 20 anos e o bom de começar tarde é que vivi uma vida antes. Tenho material íntimo bom para poder usar nos meus papéis. Quando era mais jovem ainda não tinha formado a minha identidade e era muito vulnerável. Aos 47 anos já me sinto mais segura. Isso ajuda-me como atriz.