Frederico Lourenço regressa ao “prodigioso best-seller de 1572” em Portugal
Faz questão de lembrar que “não há nenhuma prova de que Camões tenha nascido em 1524”, no entanto essa dúvida não impede que celebre numa antologia o melhor da obra de Luís de Camões.
Era inimaginável que Frederico Lourenço não se associasse à comemoração do quinto centenário do nascimento de Luís de Camões, poeta que até lhe serviu de mote para a sua trilogia em ficção, reunida sob o título Pode Um Desejo Imenso. Por tudo o que o poeta lhe diz, confirma que lhe era impossível “passar em branco o centenário de Camões” e fá-lo com a publicação da sua escolha do melhor entre uma grande obra. “Um ponto de partida para o leitor que não sabe por onde começar”, que chega amanhã às livrarias e terá o lançamento oficial na Feira do Livro de Lisboa, no dia 10 de junho pelas 17.00 horas.
Já relera bastante Camões para a tradução e comentários à sua edição de Horácio – Poesia Completa: “Esse trabalho despertou em mim a consciência da centralidade de Camões na minha vida. Estudei-o muito intensamente entre 2001 e 2011, depois precisei de parar para ganhar alguma distância e também para encontrar o meu próprio caminho como camonista.” Nos artigos académicos que publicou, garante que estava muito preocupado com o problema da edição crítica das Rimas, mas agora deu-se conta de que a questão que o entusiasma já não é essa: “Interessa-me a interpretação literária da poesia camoniana entendida como um todo.”
Volta-se a Horácio, que agora é um texto que Lourenço diz conhecer “como a palma da [sua] mão”, para questionar o domínio de um mundo cultural clássico em Camões e sobre o qual ajuíza: “Quanto mais se aprofunda a questão da presença clássica em Camões, mais estupefacto se fica com a abrangência das suas leituras. Sobretudo em relação ao rasto que Horácio deixou em Camões, além de uma presença maciça deVergílio e de Ovídio. O que se verifica tanto nos Lusíadas como nas Rimas.”
Logo na Introdução releva a importância da comemoração de duas datas, a dos 50 anos do 25 de Abril e a dos 500 de Camões, como momentos importantes para a construção da consciência nacional, de que diz serem “duas reali
Frederico Lourenço considera fundamental chamar a atenção para a matriz latina na poesia de Camões: “Nunca entenderemos o poeta se o divorciarmos dos autores da Roma Antiga que ele lia.”
dades da História portuguesa de que nos podemos orgulhar sem reservas”. Adianta que “a celebração do quingentésimo aniversário de Camões vai impor-se na consciência dos portugueses daqui para a frente, em muito, devido às várias iniciativas planeadas a partir do dia 10 de junho, além dos muitos livros de temática camoniana cuja publicação se prevê até ao fim de 2025”.
Levanta-se a dúvida sobre o ano de nascimento de Camões, sobre a qual também hesita na datação oficial. Para Frederico Lourenço “não há nenhuma prova de que Camões tenha nascido em 1524”. Esclarece: “Trata-se de uma suposição feita no século XVII por alguém que afirmou ter visto um documento que dava a idade de Camões em 1550 como sendo de 25 anos; esse mesmo estudioso, Manuel de Faria e Sousa, já tinha proposto antes a data de 1517.” Acrescenta que não considera improvável que Camões tenha nascido em 1524, alertando para a importância de se “sublinhar que não se sabe ao certo”.
A data segura“é a da morte, 10 de junho de 1580, comprovada por um documento oficial de 1582 que está na Torre do Tombo”. Remata: “O importante não é a data, mas celebrarmos a obra literária de Camões. Graças à comemoração do centenário, haverá um maior empenho das editoras, das universidades, das escolas e da sociedade civil na celebração deste autor genial que continua a ser o maior nome da Literatura Portuguesa.”
A sua Antologia está entre as primeiras publicações prometidas e percorre o legado literário de Camões de uma ponta à outra, mesmo que lhe tenha sido difícil deixar de parte nesta recolha algumas das “passagens mais imperdíveis”. Confessa que, se não tivesse estabelecido um compromisso com a editora de não exceder 650 páginas [são 630], seria uma seleção mais ampla: “Teria incluído dez canções em vez de quatro e oito éclogas em vez de duas, além de mais elegias e poemas em oitavas. Não podia incluir tudo, porque a intenção da Antologia é propor uma entrada na poesia camoniana e não dar a ler Camões integral. Idealmente, os leitores ficarão com vontade de ler na íntegra Os Lusíadas e as Rimas, assim como as três peças de teatro de Camões.” Conclui: “Para mim, a maior homenagem que se pode fazer a Camões é ler Camões.”
Entre os compromissos que também teve de fazer está o da atualização da ortografia. Explica: “O meu ideal estético seria adotar uma ortografia mais parecida com a quinhentista – porque as ortografias portuguesas depois da implantação da República são muito feias por terem perdido a ligação visual com o grego e o latim. Mas isso levantaria o problema das muitas incoerências que lemos na grafia das primeiras edições de Camões, e a minha intenção foi de elaborar uma Antologia acessível na leitura a um público mais generalista, no intuito de levar as pessoas a gostarem de Camões e a lê-lo sem dificuldade. Ter optado por uma ortografia arcaizante poderia funcionar como fator de desmotivação na leitura.”