Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
União Europeia: hora do investimento
Oacordo de Merkel e Macron além de dar um importante sinal de vida do eixo franco-alemão e novo impulso à Europa deu grande legitimidade política à Comissão Europeia para apresentar a proposta de 750 mil milhões para a retoma europeia. Já muito se falou sobre os méritos da proposta. Avança-se na mutualização da dívida – um passo em frente no processo de integração e faz-se depender da retoma um conjunto de prioridades políticas já previamente assumidas. E sejamos claros: se Merkel ousou subscrever tal proposta com Macron foi porque sentiu que a Zona Euro estava em perigo. Como tudo na Europa, contudo, estamos no início de um caminho e não no fim.
Os desafios na Europa nos próximos tempos são enormes: Lagarde anunciou que a contracção económica no PIB da zona euro deverá ser em linha com o pior cenário: 8% a 12%. O desemprego, segundo as últimas projecções (conservadoras) subirá para 9,5%. Na economia mundial não é melhor: nos EUA, nas últimas dez semanas, 40 milhões pediram subsídio de desemprego e são os mais pobres e vulneráveis já começaram a sentir na pele os efeitos da crise: 40% das famílias americanas com salários mais baixos mas que trabalhavam em Fevereiro estão em situação de desemprego. As falências ao abrigo do capítulo 11 aumentaram 26%. Mohammed El Erian, economista-chefe da Allianz, vê a contracção do PIB nos EUA a atingir 10% a 14% neste ano. A Fitch publicou há três dias previsões para o crescimento mundial: se em Abril a quebra prevista para o PIB era de 3,9%, em Maio já é de 4,6%. No Brasil, as previsões (de Abril) do Citibank apontavam uma quebra de 4,5% e desemprego nos 17%. E para a África Subsariana, as perspectivas do FMI, que já se sabe serão revistas em baixa conforme afirmou a directora-geral, eram de contracção de 1,6% – a maior dos últimos 50 anos. Em paralelo, o acordo alcançado no G20, que permitia uma moratória da dívida dos países africanos, apenas viu 23 dos 73 receptivos a assinar a dita, por receio de não conseguirem mais financiamento juntos dos credores privados, que recusaram acompanhar a iniciativa do G20. As agências de rating, assim que os países assinaram as moratórias, colocaram-nos em outlook negativo – exemplo de como os eixos da economia mundial estão em desacerto.
Perante um cenário mundial tão negro mas real, Bruxelas fez uma boa proposta, que se espera seja adoptada pelo Conselho e aprovada pelo Parlamento. Mas o tempo urge porque a crise social irá piorar. A CE fez bem em elencar pacto ecológico, digitalização e inovação como eixos fundamentais para investimento e crescimento. Esses investimentos terão de ser canalizados para projectos com taxas de criação de emprego altas e maior efeito multiplicador. E a Europa precisará de uma verdadeira estratégia europeia de investimento e emprego, coordenada e com acções simultâneas para potenciar o efeito de multiplicador.
Mas há outras ilações que já podemos retirar desta crise e que nos deveriam fazer reflectir sobre o sistema de capitalismo no qual vivemos: desde logo a necessidade de termos bons serviços públicos em áreas como a saúde e a educação, resilientes e capazes de fazer face ao imprevisto, se necessário, reinventando-se.
Não pensemos que com esta proposta os desafios terminaram. É, infelizmente, crível que o desemprego se agudize e a situação social piore. Muitas empresas terão dificuldades. Um dos maiores desafios de economia e empresas será o aumento da taxa de poupança – que atrasará a retoma. É possível que perante tal quadro sejamos confrontados com um aumento do populismo. É por isso importante que a Europa aprofunde o conceito de cidadania europeia e reforce valores e ideais. Essa podia ser uma das missões da presidência portuguesa da UE no primeiro semestre de 2021. É ainda importante que a UE reganhe espaço na geopolítica mundial: se muita da eficiência do multilateralismo depende em grande medida do que acontecerá nas eleições nos EUA, é não só necessário como urgente que a cooperação internacional funcione melhor. E fundamental que UE e Estados-membros no quadro das Nações Unidas e de fórums como o G20 façam o seu papel para que educação, saúde, clima e biodiversidade, acesso a energia sejam reconhecidos como bens públicos mundiais. Só com grande coordenação europeia, transatlântica e mundial conseguimos vencer esta crise.