Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Transição digital acelerou à boleia da pandemia e agora é a vez da energia
Com o curso da pandemia a desenhar ainda muitas incógnitas sobre o futuro próximo, a mobilidade dos portugueses continua muito aquém dos níveis pré-covid, como refere o secretário de Estado da Mobilidade. Eduardo Pinheiro diz em entrevista nestas páginas que, apesar de começar a notar-se um aumento gradual na utilização dos transportes públicos, ele é ainda muito ligeiro e a procura ainda está a 30% do que era normal. E coloca um desafio à sustentabilidade financeira do próprio sistema de transportes públicos.
A tendência deverá manter-se enquanto o receio da contaminação perdurar e o teletrabalho continuar a instalar-se como o ‘novo normal’ de forma transversal a toda a economia, desde as empresas privadas à função pública, instituições de ensino ou autarquias, afastando milhões das estradas, transportes, escritórios e centros de consumo.
Cascais, por exemplo, assume que vai normalizar o teletrabalho, “mediante o acordo do trabalhador e parecer positivo da entidade empregadora” e “reajustar o seu património para obter receitas e compensar as perdas causadas pela crise pandémica”, como revela o presidente da autarquia, Carlos Carreiras, em entrevista.
A fuga dos transportes públicos está a conduzir mais pessoas para o transporte individual. Essa tendência já se está a assistir, por exemplo, na China, registando-se um aumento exponencial na compra de veículos, após o pico da pandemia. Mas também é esperada na Europa, o que atrapalha as estratégias de mobilidade sustentável desenhadas pela Comissão Europeia para enfrentar os desafios climáticos, uma vez que os transportes rodoviários são responsáveis por cerca de 25% das emissões.
A este propósito, Manuel Melo Ramos, CEO da Brisa Concessão Rodoviária, lembra que a massificação do teletrabalho também pode contribuir, ela própria, para a opção pelo transporte individual, ao reduzir as filas de trânsito e o desconforto associado. Os governos tentam, por seu lado, incentivar a mobilidade ativa, que passa pelo uso de bicicletas e das vias pedonais e de todas as modalidades de micro mobilidade.
Por isso, e se já era a solução antes da pandemia, a descarbonização dos transportes tem de ser intensificada agora, por maioria de razões, alerta António Coutinho, administrador da EDP Comercial. António Coutinho defende que o ritmo da eletrificação dos transportes tem de ser 60% mais rápido. Isto apesar de Portugal já ser o quinto país da União Europeia com a maior percentagem de elétricos nos novos veículos vendidos.
O alargamento da rede de pontos de carregamento está a crescer abaixo do nível de expansão dos próprios veículos. Mas nos próximos dias ganha um novo impulso com a adjudicação de 643 pontos de carregamento públicos. É a transição energética a acelerar, também à boleia da pandemia, e serviu de mote a mais uma sessão do Portugal Mobi Summit, realizada esta quinta-feira.
gimentos que nos levam a ter receio e que trazem grandes desafios à mobilidade, nomeadamente o menor uso dos transportes públicos”, avisa Eduardo Pinheiro.
O certo é que, até ao final de 2019, tanto a “crescente” utilização dos transportes públicos, como a mobilidade partilhada pareciam tendências “sem retorno”, diz Manuel Melo Ramos. Mas nesta primeira fase de retorno à normalidade estão “bastante em causa”, teme o CEO da Brisa Concessão Rodoviária, lembrando ainda o peso do teletrabalho no equilíbrio desta nova equação: “Se, por um lado, os congestionamentos em hora de ponta poderão diminuir com as deslocações mais esporádicas ao escritório, por outro, abre-se aqui uma maior apetência para o transporte individual, pelo menos nesta fase inicial.”
Processos lentos
Daí a urgência de agir rápido, não apenas na micromobilidade, mas continuando igualmente a encarar o transporte público como “espinha dorsal” da mobilidade nas cidades. “Este é um momento importante, devemos promover os modos sustentáveis, como estamos a fazer, mas a este nível os municípios têm um papel determinante, como gestores do território, para que tal
importância na mobilidade urbana. “É interessante perspetivar que, além do TVDE, apareceram nos últimos quatro, cinco anos, só na cidade de Lisboa, mais de 20 operadores de micromobilidade.”
Esse é o fenómeno que hoje retira qualquer sentido à fronteira entre público versus privado, diz António Coutinho, defendendo uma visão integrada de todos os modos de transporte para facilitar a mobilidade. “O cidadão é que tem de escolher, tem de ter flexibilidade e qualidade de serviço. Ele é que tem de fazer essa escolha. Isso também é um grande desafio para os operadores de transporte público.”
A eletrificação da mobilidade terá também de acelerar. Esse é, aliás, um dos principais motores da transição energética, que permitirá eliminar 25% das emissões de dióxido de carbono. E nos transportes públicos a viagem vai só no princípio, avisa o administrador da EDP Comercial, ressalvando, todavia, o “bom exemplo” de Cascais. “É importante frisar que, no mundo, 99% dos autocarros elétricos estão na China e apenas