Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
É urgente agir agora para não trazer o automóvel de volta
—KÁTIA CATULO
Nunca como agora a mobilidade mexeu tanto com as dinâmicas das cidades. Há menos trânsito nas ruas e tanto a bicicleta como os circuitos pedonais ganharam uma nova energia. Em contrapartida, o medo da covid-19 esvaziou os transportes públicos e o teletrabalho abriu o apetite para agarrar no automóvel e levá-lo nas deslocações menos regulares ao escritório. Este é o cenário da pós-pandemia que, esta semana, pôs os convidados da segunda sessão do Portugal Mobi Summit a olhar para o futuro da mobilidade e da transição energética. Os tempos que se seguem são de muita incerteza. Essa é, aliás, a única certeza de Eduardo Pinheiro, secretário de Estado da Mobilidade, de Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, de António Coutinho, administrador da EDP Comercial e de Manuel Melo Ramos, CEO da Brisa Concessão Rodoviária.
Todos eles não se arriscam em futurologias. Até porque ainda é cedo para perceber se as mudanças vieram para ficar ou vão desaparecer quando a covid-19 deixar de ser uma ameaça. “Num momento de pandemia há, antes de tudo, uma crise de saúde pública e, portanto, há um conjunto de constranaconteça”, defende o secretário de Estado. Fazer acontecer, no entanto, é um processo demorado, adverte o presidente da Câmara de Cascais. E não é apenas pelas transformações de ordem cultural. É sobretudo por um conjunto de “interesses instalados” que não é fácil de “furar” em Portugal, no geral, e em Cascais, em particular. “Temos vindo a ganhar batalha a batalha com muita persistência e resiliência, diria mesmo com muita teimosia.”
Essa foi a “determinação” não apenas para investir nas bicicletas, mas também para alterar a lógica dos transportes públicos que, desde janeiro, são gratuitos para quem vive, trabalha ou estuda no concelho. A transformação – adverte Carlos Carreiras – não pode ficar somente pelos parâmetros energéticos sustentáveis, mas deverá procurar, além do conforto e dos preços acessíveis, ser flexível o suficiente para cobrir tanto as zonas de maior como de menor procura.
Público privado
Neste puzzle, há ainda uma grande tendência para separar o transporte público do privado, adverte o administrador da EDP Comercial. É essa dicotomia que depois faz esquecer as outras peças que surgiram, entretanto, no mercado, ganhando uma enorme
0,5% na Europa – é um valor extremamente reduzido. Temos de rebalancear isto.”
Para alcançar a descarbonização, mais do que o número de veículos, o que importa é o número de quilómetros percorridos, relembra António Coutinho, para destacar a importância de adotar a mobilidade urbana sem emissões. “Este é um processo que só pode ser bem-sucedido se afastarmos a visão binária entre público e privado e olharmos para a mobilidade de uma forma integrada.”
É quando se foca a atenção no panorama global que se percebe que a transição energética, pela sua natureza, será sempre um processo “muito mais lento” do que a transformação digital. “Em Portugal, só 6% da venda de novos veículos foram elétricos”, conta o administrador da EDP Comercial, fazendo ver que, ainda assim, o país está no top 5 deste campeonato europeu. É por isso que António Coutinho coloca uma grande ênfase no esforço público para impulsionar a aquisição de viaturas elétricas, promover o abate dos veículos térmicos e a renovação da frota dos autocarros, apoiar o alargamento da rede de carregamentos ou o investimento em painéis solares.
O impulso das políticas públicas
O esforço público tem sido feito, salienta o secretário de Estado da Mobilidade, relembrando a eletrificação da frota da Transtejo que, entre 2022 e 2024, começará a navegar no Tejo, ou os quatro milhões de euros colocados, em 2020, no fundo ambiental para estimular a compra de veículos elétricos. A medida, explica Eduardo Pinheiro, será sempre acompanhada de outras políticas como, por exemplo, a instalação de mais de 600 postos pelo país para incentivar o mercado a continuar a estender esta rede. “Foi dado um passo importante, que permitiu também a todos os municípios terem, no mínimo, um posto de carregamento.”
Ainda assim e, apesar de a infraestrutura estar a expandir-se “bastante”, não cresce ao ritmo de venda dos veículos, defende o administrador da EDP Comercial, alertando para a urgência de se “alinhar” estas duas velocidades para não travar o “crescimento potencial” dos elétricos.
No caso dos veículos elétricos, o carregamento far-se-á essencialmente em casa e no local de trabalho, explica Manuel Melo Ramos para explicar que esse foi o ponto de partida para a Brisa montar a infraestrutura nas autoestradas. No entanto, há que ter em conta as necessidades relacionadas com as longas distâncias e aí é que o esforço faz sentido. “Temos hoje 17 postos de carregamento e estamos a trabalhar com vários parceiros da indústria com o intuito de melhorar a oferta.”
Esse é o empenho que se terá de colocar na rede de carregamentos para permitir aos condutores de veículos elétricos percorrer as autoestradas sem sentir aquilo que os anglo-saxónicos chamam de range anxiety, stress relacionado com o receio de ficar a meio do caminho com a bateria descarregada. “Em breve, apresentaremos um plano detalhado”, promete o CEO da Brisa Concessão Rodoviária, reconhecendo que essa é uma das principais vias para impulsionar a eletrificação da frota nacional e, consequentemente, contribuir para a descarbonização.