Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
António Coutinho “A descarbonização tem de ser 60% mais rápida”
Em 30 anos, a eletrificação da energia subiu apenas 4%, alerta o administrador da EDP Comercial, mostrando que o caminho para a neutralidade carbónica é enorme. O confinamento, contudo, ao provocar uma súbita melhoria da qualidade de vida nas cidades, ajudou a imprimir um sentido de urgência capaz de acelerar a mudança, antevê António Coutinho.
Como vê a retoma dos projetos energéticos após a quebra causada pela pandemia?
Há uma diferença entre projetos energéticos e de eletricidade. Nem toda a energia é eletricidade. Na Europa, aliás, a eletricidade representa apenas 22% do consumo total energético. Esse valor é um aspecto importante quando se procura assegurar um consumo cada vez mais elétrico para atingir a descarbonização. A mobilidade elétrica por si só permitiria reduzir em cerca de 25% das emissões de CO2.
E não são só as emissões de dióxido de carbono.
Pois não, temos tendência para nos focarmos nas emissões de CO2, mas são também todas as partículas nocivas para a saúde que se eliminam com a passagem da mobilidade fóssil para a renovável. Se algo foi notório no confinamento foi a súbita melhoria da qualidade do ar nas cidades que beneficiou muito a saúde das pessoas.
Ganhámos uma nova consciência com a pandemia?
Antes da pandemia havia já a consciência de que tínhamos de acelerar a transição energética. Mas, ao se ter a possibilidade de perspetivar de uma forma tangível o que representa essa mudança, essa consciência tornou-se ainda maior. Além da melhoria global que a eletrificação da mobilidade provoca na redução das emissões, há a eliminação das partículas nocivas no ar das cidades que, como sabemos, provocam doenças respiratórias graves
Foi um agudizar das consciências?
E foi para além disso também. As pessoas não conseguem ter consciência de como as condições de vida nas cidades se agravaram nos últimos anos por causa dos efeitos acumulados da poluição. O dia de hoje foi igual ao de ontem, mas é muito diferente de há 10 anos. Isso não ajuda a imprimir um sentido de urgência. Mas quando, de um momento para o outro, surge essa oportunidade, a consciencialização passa a ser mais imediata, levando as pessoas a quererem uma mudança para o mais breve possível.
A mudança, contudo, leva sempre o seu tempo.
É verdade. Basta reparar que, com o mundo parado, a redução das emissões não foi além dos 18%. Se o objetivo é a neutralidade carbónica em 2050, o desafio é muito significativo e tem mesmo de ser acelerado. Se hoje, 22% do nosso consumo é elétrico, há 30 anos era de 18%. Em três décadas aumentámos 4%. Para atingir a neutralidade carbónica em 2050, este número vai ter de acelerar em 50% ou 60%.
Com o teletrabalho a assumir maior protagonismo, qual será o papel da mobilidade elétrica?
Eu preferia falar em mobilidade, mais do que falar em mobilidade elétrica. O teletrabalho terá um impacto sobre a mobilidade em geral. Prevê-se, nos próximos anos, uma redução do número de quilómetros percorridos nos Estados Unidos e na Europa que será acompanhada por uma diminuição do número de veículos de transporte individual. É interessante verificar que a queda de venda de veículos foi bastante ser interessante olhar para o veículo como uma forma de mobilidade elétrica focada nos transportes públicos rodoviários, nos táxis ou nas frotas que asseguram a distribuição urbana. E, já agora, os ferries, por exemplo, são a diesel, mas a aquisição da nova frota será elétrica. Isso mostra a importância das políticas públicas para uma rápida transformação nas cidades.
Pacotes de recuperação da economia deveriam incluir iniciativas de transição energética?
Faz todo o sentido na Europa e, especialmente, em Portugal. A primeira razão é a necessidade
imediata de injetar quantidades muito significativas de dinheiro na economia para conseguir revitalizá-la. Essa injeção deverá estar o mais alinhado possível com os objetivos de longo prazo. Essa é a forma de conseguir um maior retorno nesse tipo de investimentos. E, não menos importante, é o efeito na criação de emprego. A transição energética, sendo pela sua natureza descentralizada, é geradora de postos de trabalho. Basta pensar na diferença entre estações de abastecimento de combustíveis fósseis versus postos de carregamento espalhados pelo país. Para assegurar o carregamento dos elétricos teremos de ter um posto para cada 10 veículos. Ou seja, algo a rondar um milhão de postos a longo prazo, em Portugal, que será preciso instalar, manter e substituir. Se a transição energética é para onde caminhamos, faz todo o sentido incluir este setor na retoma, não só porque estaremos a sintonizar essas políticas com as estratégias de longo prazo, como a criar emprego sustentável.
Cascais faz testes serológicos grátis, produz cinco milhões de máscaras que doa às IPSS e distribui gratuitamente aos utentes de transportes públicos, também eles gratuitos.
No caso da EDP, o que destacaria no plano dos investimentos na transição energética?
Por um lado, a EDP como líder mundial, continua a fazer grandes investimentos nas áreas das energias limpas e renováveis em todos os mercados onde está presente. E, depois, nos mercados onde tem o retalho como consumidor final, está a desenvolver ofertas que ajudam no processo de transição energética. A mobilidade elétrica é uma dessas opções. Procuramos perceber junto dos clientes – com e sem viaturas elétricas –, quais as necessidades e dificuldades em cada momento do processo para corresponder com produtos e serviços que ajudem a fazer essa transição da forma mais simples possível. Outra área importante é o projeto-piloto, agora em fase pré-comercial, que procura fazer a transformação do gás de botija para a eletricidade usada no aquecimento da água ou para cozinhar, por exemplo. Por fim, há nova área que são as comunidades locais de energia assentes nas renováveis e nas quais a EDP está atenta e irá ter uma posição.
E a adesão dos consumidores ?
Como em todos os processos que exigem transformações, o arranque é relativamente lento, mas a tendência é começar a acelerar. Há muitas cidades na Europa em que, por exemplo, os painéis fotovoltaicos estão disseminados. Portugal não está ainda nesse ponto, mas acreditamos que chegará uma altura em estas opções vão ser decisões normais do quotidiano.
A pandemia não só acelerou a mobilidade e transição digital de Cascais como transformou o concelho num caso de estudo a nível internacional, com direito a notícia no The New York Times. É o próprio presidente do município, Carlos Carreiras, a reconhecer a reviravolta: “virámos tudo de pernas para o ar para colocar o foco no combate à pandemia”.
E o combate passou por inúmeras frentes: recurso massivo ao teletrabalho, comunicação nas redes sociais, apoio tecnológico às escolas e empresários, mas essencialmente pelo envolvimento direto e pioneiro, primeiro na encomenda de máscaras e equipamento médico da China, e depois, na importação de maquinaria para a “produção própria de máscaras, que estão a ser distribuídas de forma gratuita nos autocarros, também eles gratuitos deste o início do ano, para os munícipes, trabalhadores ou estudantes no concelho”.
A última inovação do executivo de Carlos Carreiras é a disponibilização gratuita de testes serológicos a toda a população, para despistar os níveis de imunidade. “Só no primeiro dia houve 100 mil chamadas a tentar entrar na linha”, conta o autarca. “Face a uma procura tão elevada, não houve logo capacidade de resposta, mas já está a estabilizar”, assegura.
Também para a marcação destes testes são necessárias algumas competências digitais, como o envio de comprovativos de morada via online, o que nem todos conseguem fazer à primeira. E “tal como a autarquia fez com os mais novos, com a criação de um canal no Youtube para dar formação digital a crianças e jovens, também pondera alargar esta via de formação para os mais idosos”.
Isto porque, diz o autarca, não há volta a dar à transição digital. “A pandemia obriga-nos a a uma alteração cultural e comportamental que cada um vai ter de assimilar de forma muito rápida”.
Uma mudança rapidamente interiorizada pelo próprio presidente, que já tinha uma presença assídua nas redes sociais, mas intensificou-a, para responder diretamente aos munícipes uma vez por semana às dúvidas em torno da covid-19.
“Não se pode afirmar a liderança sem estar presente, próximo das pessoas”. E o que lhe perguntam os munícipes naquilo a que chama ‘democracia direta’? “Há muita gente baralhada, com dúvidas que incidem muito nos novos programas que vamos lançando – porque a inovação gera dúvidas –, também oiço críticas e sugestões de melhoria”. Mas “esta proximidade das pessoas também permite combater uma doença que é a solidão”.
Enquanto gestor de uma smart city, Carlos Carreiras está a habituado a ver Cascais apontada como referência na mobilidade sustentável. Mais raro é, de repente, ser ela própria “a primeira entidade em Portugal a conseguir importar equipamentos médicos da China”, em abril, em pleno crescendo da pandemia, e também a produzir máscaras.
O edil conta que primeiro houve uma procura de fornecedores, seguiu-se a confirmação da certificação e depois tratar da logística para garantir que o material chegava a Portugal e era possível a sua rápida distribuição. Num segundo momento, e face aos preços incomportáveis que as máscaras atingiram, resolveu tomar em mãos o assunto e a autarquia fez a encomenda ainda em abril para importar duas máquinas e gerir ela própria a produção de máscaras, mediante adjudicação. “Já estão a produzir, têm capacidade para produzir cinco milhões de máscaras por mês”.
O autarca revela que cada máquina custou 300 mil euros e que a matéria-prima 200 mil euros, pelo que o investimento rondou o milhão de euros. Carlos Carreiras explica que as máscaras estão a ser doadas às IPSS do concelho, que, por sua vez, cobram um máximo de 25 cêntimos por unidade aos munícipes. “É uma forma de ajudar também estas instituições, que estão a sentir dificuldades pela sobrecarga dos pedidos de ajuda”. A alguns idosos são levadas diretamente a casa por voluntários.
Com o teletrabalho ainda para lavar e durar, o autarca do PSD não hesita em afirmar que “esta é uma modalidade de trabalho que veio para ficar, desde que com o acordo do trabalhador e parecer positivo do empregador. Tendo isso em mente, o município está já a planear reajustar o seu património, de modo a que se possam gerar receitas para compensar as perdas que registou na sequência desta pandemia, revelou o autarca em entrevista no âmbito da segunda sessão do Portugal Mobi Summit 2020, iniciativa de que a Câmara de Cascais é parceira.
—milhão de euros