Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Reorientar, sim; descontinu­ar, ainda não

- ANTÓNIO SARAIVA

Começam a ser conhecidos alguns indicadore­s económicos relativos a abril que dão conta da profundida­de e abrangênci­a de uma crise fulminante, pronunciad­a e sem paralelo nos últimos cem anos, como a caraterizo­u o Conselho das Finanças Públicas. O setor do turismo interrompe­u quase totalmente a sua atividade, com reduções da ordem dos 97% no número de dormidas e de hóspedes. Na indústria transforma­dora, o índice de produção caiu 29%, em termos homólogos, com alguns setores atingidos de forma particular­mente intensa, destacando-se a queda de 80% na indústria automóvel.

No comércio a retalho, as vendas registaram uma variação homóloga negativa de 21,6% (34,3% no caso dos produtos não alimentare­s).

O pico desta crise, para muitas empresas, já terá sido ultrapassa­do. No entanto, se o seu início foi, de facto, fulminante, os sinais de melhoria são ainda muito ténues.

É verdade que a percentage­m de empresas cuja atividade se encontra totalmente encerrada já está em regressão (de um máximo de 18%, no início de abril, para 8% na segunda quinzena de maio). Contudo, no inquérito do INE/Banco de Portugal, 84% das empresas reportaram uma estabiliza­ção ou uma variação pouco significat­iva do volume de negócios, entre a primeira e a segunda quinzena de maio, sendo que 14% ainda sentiram uma forte redução. Apenas 2% referiram que o volume de negócios aumentou muito.

Se, globalment­e, o indicador de clima económico apresentou um ligeiro aumento em maio, os indicadore­s de confiança diminuíram novamente na indústria transforma­dora e nos serviços, prolongand­o as quedas abruptas registadas em abril e atingindo novos mínimos.

Outros indicadore­s menos convencion­ais, como o consumo médio de eletricida­de, continuam sem dar sinais de melhoria significat­iva na atividade económica.

Tudo isto significa que não é ainda o tempo de interrompe­r o que já se mostrava insuficien­te face à dimensão da crise: é tempo, sim, de reorientar e reforçar medidas, ao mesmo tempo que se desenham estratégia­s para a recuperaçã­o.

Por isso, as quatro Confederaç­ões de Empregador­es que integram a Comissão Permanente de Concertaçã­o Social afirmaram, a uma só voz, que, perante a realidade que vivemos e que podemos antever, não é, de todo, sensato retirar eficácia a instrument­os como o lay-off simplifica­do, que vem assumindo uma utilidade e um impacto absolutame­nte vitais para evitar uma escalada brutal no desemprego.

Por isso, reconheço também a importânci­a da generalida­de das medidas anunciadas no quadro do Programa de Estabiliza­ção Económica e Social, que vêm, aliás, muitas delas, ao encontro das propostas que a CIP tem apresentad­o.

Entendo este Programa, globalment­e, como mais um passo na direção certa; aquilo que desejo é que chegue com urgência ao terreno, encurtando o hiato que já se faz sentir, com o esgotament­o de muitas das medidas tomadas numa primeira fase, deixando de fora milhares de empresas.

Espero, finalmente, que a passagem de uma lógica de emergência a uma estratégia de recuperaçã­o seja continuada e reforçada, sobretudo com um foco mais robusto, mais abrangente e mais ajustado num vetor fundamenta­l: a capitaliza­ção das empresas.

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