Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
“Renováveis podem tornar Portugal o Qatar da Europa”
Presidente da APREN diz que o país pode passar de energeticamente pobre à luz do petróleo a rico com as renováveis. Transição energética ajudará a sair da recessão.
Com recursos renováveis “muito mais abundantes” do que o resto da Europa se somada a energia eólica e solar, Portugal tem condições para criar um hub da indústria e transformar-se no Qatar deste continente. “Em vez de termos petróleo, temos todos os recursos renováveis combinados, juntamente com capacidade de armazenamento e produção de hidrogénio verde”, sublinha o novo presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).
Pedro Amaral Jorge, até agora vice-presidente, assumiu a liderança no final de março, e fala ao Dinheiro Vivo sobre as preocupações do setor a propósito do leilão solar para 2020, que o governo pôs em marcha na semana passada. “Portugal tem condições para passar de um país energeticamente pobre à luz dos combustíveis fósseis a um país energeticamente rico à luz das renováveis.”
A captação de investimento é vital, mas obriga a resolver algumas questões pendentes, designadamente ao nível da simplificação dos processos e dos licenciamentos, para evitar a morosidade atual. Mas não só. “A política energética tem-se demonstrado estável, é preciso que a política fiscal esteja também alinhada para dar visibilidade a longo prazo aos investidores, de modo que isso se reflita em custos de capital mais baratos e em prazos de financiamento mais alargados.”
Além disso, acrescenta, é preciso trabalhar também na disponibilização da rede de transporte e de distribuição, porque a “capilaridade da geração renovável para ser ligada à rede vai aumentar”, bem como é necessário “facilitar o enquadramento legal do autoconsumo, das comunidades de energia e do autoconsumo coletivo”. Tudo isto sem esquecer a temática da produção de hidrogénio. “Vimos, nos leilões de 2019, os preços de geração da eletricidade renovável na casa do 20 euros [por megawatt hora] e isso posiciona Portugal para ser um produtor de hidrogénio verde claramente na frente da Europa e pode ajudar à captação investimento”, considera o presidente da APREN, lembrando que a transição verde foi eleita pelo Eurogrupo como um dos pilares fundamentais da retoma económica pós covid-19, a par da digitalização da economia.
Sobre o leilão solar de 2020, Pedro Amaral Jorge acredita que suscitará grande interesse, mas não se atreve a prever se os valores base de licitação, que no ano passado atingiram números historicamente baixos, poderão seguir a mesma trajetória. Atendendo às incertezas que a pandemia acarreta, designadamente ao nível do financiamento da cadeia de valor de equipamentos e materiais, este responsável admite que, “racionalmente, seria expectável que estes leilões
estivessem, por uma questão de mensurabilidade do risco, um pouco acima dos do ano passado”.
Mas há novas variáveis a ter em conta, como o facto de o ponto de ligação à rede de transporte ou de distribuição ser eterno e de os produtores terem a possibilidade de, mantendo a potência de ligação, aumentar a potência instalada, seja para fazer parques híbridos ou para gerar hidrogénio, o que permite “mais fontes de receitas”, aumentando o valor dos parques e levando a uma descida das tarifas. Uma questão a acompanhar.
Quanto aos projetos que estão já em desenvolvimento, resultantes do leilão de 2019 e das licenças de produção atribuídas anteriormente, Pedro Amaral Jorge aponta para um atraso de seis a nove meses, decorrente de dificuldades nos licenciamentos e de constrangimentos nas cadeias de fornecimento por via do encerramento de fronteiras. Os prazos inicialmente atribuídos “terão de ser dilatados para compensar o período em que a pandemia afeta a execução do projeto”. O presidente da APREN reconhece que todo o cluster envolvido nestes projetos, desde as empresas de engenharia à construção, passando pelos pequenos instaladores, vivem dias difíceis e “precisam de se financiar” para continuar a operar. Não teme, no entanto, falências. “O que não se pode esperar é que as ajudas do Estado venham salvar empresas que já estavam condenadas à falência antes de a covid-19 aparecer.”
“Não se pode esperar que as ajudas do Estado venham salvar empresas que já estavam condenadas à falência antes.”
Prazos dos projetos em curso “terão de ser dilatados” para compensar os atrasos provocados pela pandemia.