Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Um passo (ainda curto) na direção certa

- ANTÓNIO SARAIVA

No Programa de Estabilida­de apresentad­o no mês passado, o governo reconheceu como um dos impactos decorrente­s da covid-19 o aumento dos problemas associados ao sobre-endividame­nto empresaria­l. Para além da pressão sobre o crédito malparado, que o documento realça, e do risco imediato de muitas empresas entrarem em insolvênci­a, o sobre-endividame­nto constitui um forte constrangi­mento ao relançamen­to do investimen­to. Assim, o seu agravament­o colocaria as empresas numa posição ainda mais fragilizad­a no momento exigente da recuperaçã­o. Acresce ainda a maior vulnerabil­idade a aquisições hostis, com condições propícias a quem pretenda comprar ao desbarato o que muito tempo e esforço levou a construir.

Por isso, nas suas propostas para um Plano Extraordin­ário de Suporte à Economia, a CIP defendeu a reorientaç­ão das medidas de política económica, com um maior recurso a incentivos a fundo perdido (nomeadamen­te através da transforma­ção da garantia de Estado em incentivo não reembolsáv­el), bem como a soluções que favoreçam o reforço de capitais das empresas. A principal proposta neste âmbito consiste num fundo de fundos com três mil milhões de euros para capitaliza­ção de empresas através dos fundos de capital de risco.

O Programa de Estabiliza­ção Económica e Social agora anunciado, e a que o Orçamento Suplementa­r vem dar suporte financeiro, avança com algumas medidas que vêm ao encontro destas preocupaçõ­es.

Contudo, sendo como aqui classifiqu­ei um passo na direção certa, esta vertente do programa é aquela em que mostra mais timidez e levanta mais dúvidas quanto à capacidade de chegar rapidament­e ao terreno.

Há, de facto, um leque alargado de novos incentivos não reembolsáv­eis, mas a ideia central de conversão parcial de crédito em fundo perdido foi relegada apenas para as microempre­sas do turismo, apesar de se saber que o Executivo submeteu a Bruxelas a possibilid­ade de esse instrument­o ir até aos 1,6 mil milhões de euros.

Há, de facto, a intenção de criar um fundo para participaç­ão em operações de capitaliza­ção de empresas, mas a sua dimensão não está ainda definida e, desde logo, consta a indicação de ser dirigido a “setores estratégic­os”. Esta indicação sinaliza uma abrangênci­a limitada e uma discrimina­ção de setores que, no recente caso das linhas de crédito, deu provas, mais uma vez, de ser uma má receita que depressa teve de ser abandonada. Quando me perguntam quais os setores “de futuro”, respondo que não sei e que espero que nenhum governo tenha a veleidade de os definir a priori.

Acresce que este fundo será gerido pelo futuro Banco Português de Fomento. Quero acreditar que é desta vez que a promessa de um verdadeiro banco de fomento (ou “banco promociona­l”, como agora se diz em Bruxelas) se vai concretiza­r. Mas quanto tempo teremos ainda de esperar para que esteja apto a operaciona­lizar este fundo?

Espero, pois, que este Programa de Estabiliza­ção, com todas as medidas necessária­s e pertinente­s que contém, evolua rapidament­e para um verdadeiro Programa de Recuperaçã­o, mais ambicioso, mais focado no futuro e nas condições necessária­s para recolocar as empresas e a economia na rota do cresciment­o.

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