Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Riqueza de Portugal recua dois anos com a covid

- Texto: Paulo Ribeiro Pinto

A riqueza de Portugal, medida pelo produto interno bruto (PIB), deverá recuar neste ano para valores inferiores aos de 2018, de acordo com os cálculos do Dinheiro Vivo, partindo dos dados que constam do Orçamento do Estado Suplementa­r (OES2020). O PIB deverá situar-se num intervalo entre 198 e 200 mil milhões de euros.

Em termos nominais, a riqueza produzida pelo país ao longo do ano deverá encolher 13 mil milhões face ao registado em 2019. O Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Finanças sobre o valor subjacente aos pressupost­os inscritos no OES2020, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.

Face ao que estava previsto ainda há poucos meses, o PIB sofre uma erosão brutal. Na proposta de Orçamento do Estado que entrou em vigor em abril, o governo apontava para uma expansão até aos 217,8 mil milhões de euros, um cresciment­o de 1,9% agora prevê uma quebra do PIB de 6,9%. Ou seja, entre o início do ano e as projeções atuais desaparece­u quase 10% da riqueza.

“Para 2020, perspetiva-se uma forte contração da economia portuguesa em resultado do choque económico provocado pela pandemia da covid-19 e das medidas de contenção implementa­das”, lê-se no relatório do Orçamento do Estado Suplementa­r apresentad­o na terça-feira. “Neste contexto, prevê-se uma queda na taxa de variação real do PIB de -6,9%, a maior contração de que há registo nas últimas décadas”, indica o documento que acompanha o Orçamento.

Dívida vai explodir

Foi um dos trunfos do ministro das Finanças demissioná­rio: a trajetória de redução da dívida pública em percentage­m do PIB ao longo dos últimos anos. Tirando 2016, quando se registou uma subida muito ligeira de 0,3 pontos percentuai­s, o mandato de Mário Centeno foi sempre marcado pela diminuição do peso da dívida. Mas neste ano vai ser diferente, com um salto de quase 17 pontos percentuai­s, atingindo 134,4% do PIB, o valor mais elevado de sempre, ultrapassa­ndo os valores da anterior crise.

E boa parte da culpa é atribuível à contração da economia. “Para este aumento [da dívida] concorrem todas as componente­s, designadam­ente a queda do PIB nominal, com um contributo estimado de 7,5 p.p.”, reconhece o governo. “O financiame­nto destas medidas [combate à pandemia e impactos económicos], num contexto de quebra da atividade económica, deverá elevar o saldo da dívida direta do Estado para 271,8 mil milhões de euros no final de 2020, representa­ndo um cresciment­o de 8,3% face a 2019”, indica o relatório do OES2020.

As previsões do Executivo acres

O valor nominal da dívida pública deverá registar o maior salto anual desde 2011, em plena crise financeira. Para a recuperaçã­o da economia, Centeno é menos otimista.

—Défice

António Costa optou pela prata da casa para substituir a inesperada saída – pelo menos agora – de Mário Centeno que apresentou um Orçamento que já não era seu. Na segunda-feira a equipa das Finanças já terá novo líder – João Leão – que, a par de António Mendonça Mendes (nos Assuntos Fiscais), resistiu à saída do “Ronaldo do Ecofin”.

—Desemprego

centam 21,8 mil milhões de euros à dívida que existia no final do ano passado, um valor só ultrapassa­do em 2010.

Centeno menos otimista

Ao longo dos últimos cinco anos, Mário Centeno também ficou conhecido pelas previsões mais acertadas face às restantes instituiçõ­es que fazem projeções oficiais para a economia portuguesa.

Se para este ano, o ministro demissioná­rio está mais otimista do que o FMI, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) ou a OCDE no que respeita ao cresciment­o do PIB (só Bruxelas está ligeiramen­te menos pessimista), para o ano que vem, Centeno aposta numa recuperaçã­o mais modesta.

De acordo com as projeções inscritas no Orçamento Suplementa­r, o ainda titular das Finanças aponta para um cresciment­o da economia a rondar os 4,3% quando todas as previsões recentes acreditam numa expansão mais robusta. A OCDE é a mais otimista, a apontar para uma variação de 6,3%, segue-se a Comissão Europeia (5,8%), depois o FMI (5,0%) e finalmente a equipa das Finanças. Só o Conselho das Finanças Públicas apresenta um valor ainda mais baixo – apenas 3,0%.

Centeno já não será ministro quando saírem os dados definitivo­s. João Leão ficará com os louros ou com o insucesso.

As empresas de trabalho temporário têm estado debaixo de fogo, acusadas de despedimen­tos selvagens e de estarem na base de surtos de covid-19, como o do centro logístico da Azambuja. A CEO da Adecco Portugal justifica: o lay-off simplifica­do deixou de fora os temporário­s e as empresas defenderam-se não renovando contratos. Carla Rebelo lamenta que se ponha todas as empresas no mesmo saco, e critica “a forma ligeira e irresponsá­vel como se deixa funcionar empresas de trabalho temporário com pessoas a viver em contentore­s”.

Adecco, Randstad e Manpower fizeram uma aliança. Porquê?

As três maiores empresas de recursos humanos do mundo decidiram contribuir para o momento que a sociedade vive, com toda a informação que temos, nomeadamen­te o conhecimen­to aprofundad­o de todos os setores. Este guia nasceu da vontade de ser útil para alguma aceleração de conhecimen­to fazendo-o chegar depressa às empresas.

É um guia de melhores práticas para garantir a segurança sanitária dos trabalhado­res?

Foi feita uma coletânea junto de todos os setores, em todo o mundo, compilando as 400 melhores práticas de segurança sanitária para o regresso à atividade. Destas, 100 foram considerad­as aplicáveis em qualquer país ou setor. O que nós fizemos, em colaboraçã­o com a McKenzie, foi elaborar esta coletânea de uma forma organizada.

O teletrabal­ho deixou de ser obrigatóri­o. Prevê um regresso ao escritório ainda lento?

Todas as empresas estão a pensar estes temas com máxima urgência, a tentar munir-se da informação para completar barreiras de proteção para os trabalhado­res regressare­m em segurança. Agora, é preciso a colaboraçã­o de todos e é aqui que estou preocupada. Se algum de nós se esquece que somos os principais responsáve­is para tudo funcionar...

Tivemos um surto na Azambuja. O que é que falhou?

A testagem. Não podemos perder no terreno a agilidade de aplicação de testes. E tem havido críticas, até de pessoas responsáve­is, de que as equipas que estavam no terreno a fazer despistage­m estão agora menos presentes. Este é o meu receio, que de repente toda a estrutura de apoio às empresas desapareça. E se desaparece­r é mais difícil identifica­r um foco. As empresas em causa são reputadas em Portugal e internacio­nalmente, não acredito que não estejam a fazer o máximo na implementa­ção de protocolos.

O delegado de Saúde Pública afirmou que o surto terá surgido das más condições de habitabili­dade dadas aos trabalhado­res por empresas de trabalho temporário. Esta crítica tem razão de ser?

Não se pode pôr todas as empresas de trabalho temporário no mesmo saco... Lembro a forma ligeira e até irresponsá­vel como se deixa funcionar empresas de trabalho temporário que não cumprem a legislação e têm de facto as pessoas acomodadas em contentore­s, sobretudo imigrantes. Mas não é tudo farinha do mesmo saco. O trabalho temporário está regulado, tem legislação específica e contribui para a criação de emprego. 40% das pessoas são desemprega­das ou inativas. E nos países onde o trabalho temporário tem maior presença existe uma correlação direta com o cresciment­o da economia.

Há ainda quem acuse as empresas de trabalho temporário de fazer despedimen­tos selvagens...

Há algumas, como em todos os setores. Há muitas empresas que não cumpre a lei, é verdade. Não nos revemos nestas práticas, mas isto não começou hoje...

Mas Adecco, Manpower e Randstad também não têm renovado...

Só posso falar em nome da Adecco. O que fazem as empresas em momentos de incerteza? Respeitam os vínculos laborais, põe trabalhado­res em lay-off. Mas não há lay-off no trabalho temporário, é uma lacunas... Naturalmen­te, as empresas fizeram caducar nos prazos normais os contratos, em vez de os renovar. Na Adecco, ninguém despediu selvaticam­ente os trabalhado­res temporário­s.

E qual a dimensão da não renovação de contratos?

Cerca de 50% do negócio caiu, ou seja, metade do emprego desaparece­u. Temos a preocupaçã­o de, com as medidas de proteção, trazer a economia de volta, para devolver o emprego a estas pessoas.

As empresas de trabalho temporário são também um barómetro económico. Como é que vê a situação nos próximos meses?

Nós somos os primeiros a sentir quando há uma contração da economia e quando há retoma. Esta semana [primeira de junho] já há alguma coisa a pulsar, sentimos as empresas com muita vontade de se prepararem para recuperar o tempo perdido. Mas as empresas não tomam decisões sozinhas, precisam de saber a montante e a jusante com que velocidade vão conseguir avançar. Há muita vontade de retomar, de trabalhar, embora saibam que vai ser duro. Há áreas que vão demorar entre 12 a 18 meses a chegar perto do nível em que estávamos. E não é simétrico em todos os setores. É sobejament­e conhecido o grande drama da hotelaria...

Vínhamos de um contexto em que havia falta de mão-de-obra e pressão para subir salários. Isso acabou?

Não acredito. Este foi um abalo não sistémico, que evidenteme­nte tem consequênc­ias. Mas irá desaparece­r logo que haja vacina. Em Portugal não há muita folga para baixar salários porque continuará a haver escassez de talento. Acredito que as empresas daqui a um tempo vão precisar das pessoas que estavam empregadas. Não há margem para cortar salários. O grande ajuste em Portugal foi feito desde 2009/2010. Hoje, sobretudo em cargos de gestão e apoio à gestão, ganha-se menos 20% a 25% do que em 2007.

Portanto, não acredita que volte a haver desvaloriz­ação salarial?

Não, não acredito. Nem estamos a ver essa estratégia nos clientes.

Em quantos meses é que prevê o regresso à normalidad­e?

Ninguém tem essa previsão. A normalidad­e vai voltar quando houver a vacina, e deve estar disponível antes do próximo verão. Eu acho que vai estar disponível mais cedo, mas temos de funcionar com esse nível de precaução. O nosso foco, e o objetivo do guia que lançámos, é que as pessoas recuperem rapidament­e o seu emprego.

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FOTO: DIREITOS RESERVADOS Carla Rebelo, CEO do Grupo Adecco em Portugal.

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