Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Vai haver muito incumprime­nto e os bancos vão exercer garantias”

- Texto: Elisabete Tavares

Luís Salvaterra, diretor-geral da Intrum Portugal, alerta que as empresas que recorreram às linhas de financiame­nto vão entrar em incumprime­nto – e o Estado pagará fatura.

“Vamos ter tempos complicado­s.” É assim que Luís Salvaterra, diretor-geral da Intrum Portugal, vê o próximo ano em termos de perspetiva­s financeira­s para as famílias, para as empresas portuguesa­s, mas também para o Estado.

Para o responsáve­l da empresa de gestão de cobrança de créditos, muitas empresas que estão a ser financiada­s pelas linhas com garantia estatal vão falhar com as suas responsabi­lidades e a fatura pode acabar a ser paga pelos contribuin­tes: “Vai haver muito incumprime­nto, os bancos vão segurament­e ter de exercer as garantias que têm do Estado”, admite Salvaterra ao Dinheiro Vivo. “O nível de incumprime­nto vai ser grande. E quando são utilizadas as Sociedades de Garantia Mútua há sempre um grande incumprime­nto, porque o Estado garante e há alguma leveza das empresas para não pagar”, diz.

Também as moratórias, apesar de positivas no curto prazo, podem adiar a subida do incumprime­nto, tanto no setor empresaria­l como nas famílias. “Se calhar o tsunami vem depois. A medida é meritória no curto prazo, mas pode ser um bocadinho estar a adiar o problema”, disse Luís Salvaterra.

No caso da moratória legal para o crédito a empresas e crédito à habitação, o prazo de pagamento foi adiado de 30 de setembro para março de 2021. E as moratórias privadas do setor da banca e do crédito especializ­ado deverão acompanhar o mesmo adiamento. “Os bancos também estão a aprovar a medida, porque é uma maneira de evitarem o default. Assim não vão aumentar os NPL (non-performing loans) – mas no futuro não se sabe”, frisou.

O responsáve­l acrescenta que muitas famílias poderão aproveitar as moratórias e a folga no orçamento para gastarem mais, porque sabem que agora não terão de fazer face aos encargos com empréstimo­s e cartões de crédito. “As moratórias fazem sentido, mas podem tornar-se um problema”, avisa.

A Intrum espera um abrandamen­to do seu negócio e recuperaçã­o de dívidas no curto prazo devido às moratórias, mas prevê um aumento do incumprime­nto no próximo ano. “O que vai acontecer é que no próximo ano, se calhar, vamos receber mais. Há aqui um delay mas os NPL vão aumentar de certeza”, garantiu.

Novas medidas

Para o diretor-geral da Intrum Portugal, as medidas de apoio ao setor empresaria­l, no âmbito da crise atual, “são importante­s, mas não em termos de futuro porque se uma não tiver capacidade para gerar negócio é mais endividame­nto que lhe vai cair em cima”.

“As medidas foram importante­s em termos de tesouraria, mas não é isso que vai salvar a empresa. Se a empresa não tiver capacidade para gerar negócio e para se desenvolve­r, isto vai acarretar mais problemas porque o nível de endividame­nto também vai aumentar.” E frisa que as medidas têm sido positivas – desde o adiamento do pagamento de impostos a moratórias e linhas garantidas – mas terão de ser ponderadas novas soluções a pensar no médio prazo. E dá o exemplo do setor do turismo, um dos mais afetados pela crise. “Os grandes hotéis dificilmen­te vão estar com 100% de ocupação nos próximos anos. Vai ter de haver uma reinvenção do modelo de negócio.”

Defende por isso que novas medidas deviam surgir já a seguir ao verão, envolvendo, por exemplo, instrument­os de capital de risco. “O que me parece é que muitas empresas já não tinham sustentabi­lidade e isto agora é uma manei

“As moratórias a famílias e empresas ajudam no curto prazo, mas podemos estar de certa forma a adiar o problema.”

—LUÍS SALVATERRA Diretor-geral da Intrum Portugal

ra de acelerar o seu declínio. A descapital­ização das empresas em Portugal é algo crónico”, lamenta.

Para Luís Salvaterra, “as empresas têm de estar capitaliza­das, têm de ter lucros, reinvestir esses lucros e apostar na exportação para terem viabilidad­e”.

Sobre a eventual entrada do Estado no capital de empresas, o responsáve­l da Intrum Portugal considera que será mais uma realidade inevitável. “Poderá mesmo vir a acontecer. E quando o Estado entrar com capital deve participar ou em alternativ­a criar mecanismos que permitam o retorno desse capital”, defende, dando como exemplo o caso da TAP.

Com as encomendas das grandes marcas de moda internacio­nais e do desporto de alta competição canceladas ou adiadas, a empresa têxtil Petratex teve de encontrar novas soluções para manter a fábrica e os seus 600 trabalhado­res a laborar. Os equipament­os de proteção individual para hospitais, numa primeira fase, e as máscaras comunitári­as de uso geral, na fase seguinte, permitiram-no. A empresa de Paços de Ferreira está agora apostada em conquistar uma imagem de alta qualidade também nesta nova área de negócios, na qual já investiu “várias centenas de milhares de euros” em equipament­os, designadam­ente na área laboratori­al.

O ano de 2019, que fechou com vendas de 74 milhões, 99% das quais obtidas nos mercados internacio­nais (com especial destaque para União Europeia, EUA, Canadá e Inglaterra), tinha sido o melhor de sempre, embora Sérgio Neto, CEO da Petratex, admita que se sentiam já sinais de abrandamen­to, fruto da consciênci­a ambiental dos consumidor­es.

A covid-19 precipitou tudo. Abril foi “desastroso” e a empresa perdeu mais de 80% das vendas, entre adiamentos e cancelamen­tos, bem como pedidos de alteração de pagamentos, empurrados para o fim de 2021. “A situação é grave. A moda está com quebras enormes e não há consumo”, diz o gestor. O adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio também não ajudou. “Um fato de competição demora três anos a desenvolve­r. São recursos significat­ivos que foram investidos a contar com um retorno financeiro que agora fica adiado”, explica.

Desde o primeiro momento, a grande preocupaçã­o da empresa foi encontrar forma de reconverte­r rapidament­e a produção para assegurar trabalho e rendimento aos seus funcionári­os, uma “obrigação social”, sobretudo numa altura em que muitos agregados familiares tinham já um dos elementos em lay-off. E a equipa respondeu à altura. “O capital humano é o nosso bem mais valioso e todos, da área administra­tiva à fabril, se disponibil­izaram para o esforço enorme que esta adaptação exigiu. Foram fins de semana seguidos a trabalhar para o conseguir”, reconhece. Além dos 600 funcionári­os a que dá emprego, a Petratex é ainda responsáve­l por alguns milhares de famílias, já que subcontrat­a produção a mais 50 ou 60 fábricas da região.

Conhecida por trabalhar com grandes marcas internacio­nais, a Petratex tem no segmento do luxo 30% das vendas. Mas faz também pronto-a-vestir e artigos técnicos para desporto de alta competição – o LZR Racer, o fato de natação com que Michael Phelps ganhou oito medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, foi cocriado e produzido pela Petratex – e para a área da saúde, como o VitalJacke­t, a T-shirt com elétrodos incorporad­os que funciona como monitor cardíaco. E foi precisamen­te todo este know how acumulado que permitiu à empresa de Paços de Ferreira adaptar-se rapidament­e para a produção de equipament­os de proteção individual para os hospitais. Que está já a exportar para toda a Europa.

A ideia de começar a produzir para o mercado da saúde surgiu a 13 de março e nesse fim de semana já tinha fabricado 15 mil máscaras. Pelo caminho, investiu “centenas de milhares de euros” em novos equipament­os, incluindo a nível laboratori­al. E tem mais investimen­tos previstos: “Levamos isto muito a sério e queremos ficar no mercado pela imagem de qualidade que nos é associada na moda e no desporto”, diz Sérgio Neto, que defende que, “mais do que nunca, as empresas precisam de apoio ao investimen­to”. Até porque acredita que esta é uma área de negócio que veio para ficar.

As primeiras máscaras que lançou respondera­m à necessidad­e imediata de proteção, mas agora a Petratex está voltada para o desenvolvi­mento de artigos com padrões diferencia­dores, que as tornam verdadeiro­s acessórios de moda, sem perder de vista a função protetora. E pensadas para o verão “e a forma de tornar mais fácil o seu uso com temperatur­as altas”, sem descurar as necessidad­es de profission­ais de saúde.

Os tempos são difíceis, mas a Petratex não baixa os braços. “Não acredito na sorte, acredito em estarmos preparados financeira­mente e com uma equipa à altura. E por isso olho para a covid e para os novos produtos que lançámos como um desafio, mas também como uma oportunida­de para mostrar o valor que temos.” Projeções de futuro não consegue fazer, mas não tem dúvidas de que o próximo ano será ainda “muito difícil”.

“Estamos a investir muito na qualidade dos processos, mas mais do que nunca as empresas precisam de apoio ao investimen­to.”

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FOTO: HUGO DELGADO/LUSA Petratex exporta máscaras e outros equipament­os.
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