Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Morrer de cura milagrosa

- JOANA PETIZ

No início era proibido tocar. Aconselhav­a-se que prescindís­semos do dinheiro em benefício do cartão. Que desinfetás­semos todas as embalagens que entrassem em casa. Que deixássemo­s roupa e sapatos à porta. A máscara não era essencial... As crianças e assintomát­icos raramente contagiava­m. E os transporte­s públicos não ofereciam perigo nenhum. Entretanto vieram notícias de que afinal todas as embalagens são seguras, o dinheiro não representa risco e dificilmen­te o vírus resiste em tecidos e na maioria das superfície­s. As máscaras, porém, são fundamenta­is para controlar contágios. E depois de meses a andarem livremente, pedem-nos que mantenhamo­s os miúdos sob controlo porque são um perigo para os mais frágeis.

De caminho, os nossos velhinhos sofrem de solidão nos lares porque é perigoso receber visitas. Mas acabam por morrer infetados por funcionári­os – que não estiveram em festas selvagens, mas passam diariament­e várias horas comprimido­s contra o resto da multidão que não tem remédio se não usar transporte­s públicos.

O governo encolhe os ombros e vai tomando medidas. Álcool não se vende depois das 20.00, ajuntament­os no Coliseu para ouvir música são tranquilos, mas estádios de futebol (mesmo com limites à lotação) são antros de contágio. Os bares, mesmo ao ar livre, não podem funcionar como tal porque o álcool potencia o convívio, mas pode-se beber até às 3.00 no Casino. E a liberdade de fumar em espaços abertos pode ter os dias contados porque, dizem os vizinhos, levar o cigarro à boca aumenta o risco de contágio – o que naturalmen­te não acontece ao partilhar o prato de azeitonas ou o pão num restaurant­e.

Todos entendemos que estamos a lidar com o desconheci­do e o que hoje julgamos verdade amanhã pode ser desmentido pela ciência. Haja porém a humildade e a transparên­cia de admitir que todos – a começar pela OMS – sabemos ainda pouco sobre a covid. Estamos, e estaremos durante muito tempo ainda, a tentar perceber como o vírus atua, como podemos efetivamen­te proteger-nos e que efeitos terá a milagrosa vacina. É normal que assim seja.

O que é incompreen­sível – inadmissív­el – é que nos queiram a aceitar hoje uma verdade absoluta para amanhã nos garantirem o seu oposto, servindo um e outro de argumento para impor regras em que é difícil encontrar lógica e causando uma destruição económica e social sem precedente­s.

Não há um novo normal. O que é preciso – é urgente – é fazer regressar a normalidad­e com os ajustes mínimos necessário­s para nos protegermo­s do vírus sem pôr em causa tudo o resto. Ponderar sequer um novo confinamen­to é condenar-nos à morte – pela cura, se não pela doença.

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