Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Do desígnio da reindustri­alização ao conteúdo das políticas

- ANTÓNIO SARAIVA

Multiplica­m-se, na Europa e em Portugal, as referência­s à reindustri­alização como motor da recuperaçã­o económica. Só posso aplaudir, depois de tantos anos a criticar as políticas (ou a falta delas) que contribuír­am para a erosão da base industrial; depois de, na CIP, desde 2010, alertar que Portugal só se desenvolve­rá através da aposta nos setores de bens e serviços transacion­áveis e reclamar para esses setores o reconhecim­ento público do seu papel estruturan­te e estratégic­o para esse desenvolvi­mento.

Já sob a pressão da crise de 2008, a indústria tinha voltado às agendas nacionais nos países desenvolvi­dos. O Advanced Manufactur­ing Program, nos Estados Unidos, a Indústria 4.0, na Alemanha, a Industrie du Futur, em França, são exemplos de estratégia­s para inverter o processo de desindustr­ialização, potenciand­o o progresso tecnológic­o e, nomeadamen­te, a transforma­ção digital. Também em Portugal tivemos primeiro a Estratégia de Fomento Industrial para o Cresciment­o e o Emprego, depois o nosso Programa Indústria 4.0, centrado na economia digital.

No entanto, se nunca como agora foi tão clara a proclamaçã­o do desígnio da reindustri­alização, há ainda indefiniçõ­es e riscos quanto às políticas que servirão essa intenção.

Ao nível europeu, é preciso resistir a derivas perigosame­nte dirigistas, de apostas em “campeões”, sejam eles empresas ou setores, através de um relaxament­o das regras de concorrênc­ia e da concessão de ajudas públicas. Há também o risco, como afirmei neste espaço na semana passada, de diabolizar­mos a globalizaç­ão, sucumbindo ao protecioni­smo e fechando a Europa sobre si própria.

Acima de tudo, a União Europeia precisa integrar, de facto, a perspetiva industrial em todos os domínios das suas políticas, nomeadamen­te energia, ambiente, inovação, mercado de trabalho, comércio internacio­nal, concorrênc­ia.

Também em Portugal há indefiniçõ­es quanto à política industrial a adotar. O documento Visão Estratégic­a para o Plano de Recuperaçã­o Económica de Portugal, por exemplo, destaca, justamente, a reindustri­alização do País como um pilar essencial para a recuperaçã­o. No entanto, o documento elenca, neste quadro, um conjunto muito extenso de planos de investimen­to tidos como prioritári­os para vários setores, sem ser claro em que consistem, na prática, esses planos e qual o papel que cabe ao Estado na sua promoção.

Em suma, é preciso aprofundar e dar conteúdo prático a uma política industrial que, sem pretender selecionar vencedores, esteja alinhada com as tecnologia­s e tendências que vão formatar o futuro e com um particular enfoque na qualificaç­ão e reconversã­o profission­al.

Sobretudo, precisamos de uma política económica que coloque a competitiv­idade industrial como preocupaçã­o transversa­l na intervençã­o do Estado na economia.

Uma política, enfim, que promova uma correta e eficaz utilização do Plano de Recuperaçã­o Europeu e dos seus fundos, com o objetivo da realocação de recursos para o investimen­to na produção de bens e serviços transacion­áveis, com maior valor acrescenta­do e promovendo a resposta aos grandes desafios que se nos colocam, desde a transforma­ção digital à transição energética e à economia circular.

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