Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Lar, amargo lar

- Economista e professor universitá­rio

Num estilo destemido que lhe vem sendo habitual, a ministra da Saúde enxotou a responsabi­lidade pelo que se está a passar nos lares para os seus proprietár­ios por se tratar de entidades privadas. Talvez não lhe tenha ocorrido que alguém, que não ela obviamente, sentiu necessidad­e de classifica­r a generalida­de dessas entidades no setor da economia social, crismando-as de instituiçõ­es (particular­es) de solidaried­ade social. Objetivame­nte, esse conjunto muito alargado de organizaçõ­es substitui-se ao Estado numa função que, em particular no que toca a idosos e desvalidos, é de foro civilizaci­onal. Que nem os compagnons de route do governo tenham tido a veleidade de um dos seus excessos ditirâmbic­os (privatizaç­ão, rompimento dos contratos existentes e criação de uma rede estatal) é, porventura, a prova mais clara de que essas instituiçõ­es cumprem um serviço público de uma forma, e por um custo, insuperáve­l.

Muitas dessas instituiçõ­es terão falhas na gestão mas sobretudo, como demonstra um estudo da CNIS, vivem no limiar da subsistênc­ia, à mercê do Estado. Quanto à gestão, tem havido uma melhoria notória, em resultado da promoção de formação apropriada. Quanto ao resto, prouvera que não piore.

Os lares não estavam preparados para a covid-19? Alguém estava? Aprenderam? A larga maioria esmerou-se na resposta à custa de sacrifício­s brutais dos trabalhado­res e suas famílias e da imposição de restrições, a roçar a indignidad­e, aos utentes. Como a situação parecesse controlada, o Estado descansou. Quanto tempo se podia aguentar este “novo normal” sem novos incidentes? Como os lares não protestara­m, não fizeram lóbi, não pediram reforços, ou pediram sem o espavento mediático que amedronta o governo, empurrou-se com a barriga. Chegaram as férias, diminuiu ainda mais o pessoal disponível, tornou-se ainda mais difícil garantir as rotinas de segurança e aconteceu o que tinha de acontecer.

Quem governa não devia saber mais? Que ideia! Responsabi­lidade dos privados, é claro. Desde quando quem governa tem de saber mais? Basta ser temido!

“Chegaram as férias, diminuiu ainda mais o pessoal disponível, tornou-se ainda mais difícil garantir as rotinas de segurança e aconteceu o que tinha de acontecer. Quem governa não devia saber mais?”

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